- Princípio da Pós-Profecia
- O Princípio dos Grandes Eventos
- O princípio da interpretação hermenêutica
- O princípio dos sentidos simbólicos
- Contexto Histórico-Profético da Besta Escarlata
- O Mistério da Besta
- Os dez chifres são dez ducados germânicos
Quem é a besta escarlata? Quem é a mulher que a cavalga? Quem é o oitavo rei? O que representam as cabeças e os chifres?
Apocalipse 17 apresenta uma das visões mais simbólicas e enigmáticas de toda a profecia bíblica. A imagem da mulher sentada sobre uma besta escarlate tem despertado a imaginação e o debate de estudiosos, intérpretes e fiéis ao longo dos séculos. Nosso objetivo aqui é oferecer uma interpretação histórica e profética consistente, capaz de lançar luz sobre o significado desses símbolos e revelar os eventos reais que deram cumprimento a essa visão.
Adotaremos uma linguagem direta e objetiva, formulando afirmações positivas sempre que possível, a fim de facilitar a compreensão. No entanto, dada a complexidade do tema, alguns pontos exigirão uma análise mais detalhada. Nesses casos, seguiremos uma abordagem concisa, mas solicitamos ao leitor atenção e empenho para assimilar desde o início os principais conceitos, estruturas e interpretações apresentados.
Para isso, abordaremos, inicialmente, alguns princípios fundamentais para a interpretação profética. Entre eles, destacamos:
- O princípio da pós-profecia;
- O princípio dos grandes eventos;
- O princípio da interpretação hermenêutica;
- O princípio dos sentidos simbólicos.
Compreender uma profecia tão densa como a de Apocalipse 17 exige mais do que curiosidade: exige método, reverência e uma visão panorâmica da história. Ao estabelecer estes princípios de interpretação, lançamos as bases para uma leitura mais fiel ao propósito original do texto profético e mais conectada aos acontecimentos reais que moldaram a civilização ocidental. A partir daqui, avançaremos na análise dos símbolos, certos de que eles foram dados para serem entendidos — e não ocultados.
Princípio da Pós-Profecia #
As Profecias que Retrocedem no Tempo:
Uma característica notável das profecias do Apocalipse é seu uso frequente de eventos passados como base para a revelação de acontecimentos futuros. Essa abordagem é explicitamente apresentada logo no início do livro:
“Escreve, pois, as coisas que viste, e as que são, e as que hão de acontecer depois destas.” (Apocalipse 1:19)
Essa instrução divina oferece uma chave interpretativa essencial: a profecia apocalíptica está estruturada em três tempos distintos:
- “As coisas que viste” – referem-se ao que João já havia presenciado ou lhe fora revelado sobre o passado;
- “As que são” – indicam os acontecimentos contemporâneos ao tempo de João (cerca de 100 d.C.);
- “As que hão de acontecer depois destas” – descrevem os eventos futuros que ainda se desenrolariam na história.
Essa divisão mostra que o Apocalipse não é uma narrativa puramente cronológica. Pelo contrário, ele alterna entre passado, presente e futuro com o propósito de revelar uma visão panorâmica do plano divino na história humana.
Exemplos de Profecias com Retorno ao Passado
Vários trechos do Apocalipse ilustram esse recurso de “retrocessos temporais”, no qual visões proféticas resgatam eventos antigos para explicar os desdobramentos futuros. Alguns exemplos:
- Capítulo 4 – O Ancião de Dias: evoca a estrutura celestial semelhante ao culto no Antigo Testamento.
- Capítulos 7 e 14 – Os 144 mil: representam a primeira geração da igreja cristã, formada antes mesmo da destruição de Jerusalém em 70 d.C.
- Capítulo 11 – As Duas Testemunhas: referem-se a um período profético de 1.260 dias, conectado à missão da igreja ao longo da história, mas com raízes no testemunho apostólico.
- Capítulo 12 – O Dragão e a Mulher: apresenta o nascimento do Messias, voltando cerca de um século no tempo para mostrar o início do conflito entre Cristo e Satanás.
- Capítulo 17 – Os Sete Reis: inclui cinco reinos que já haviam caído antes do tempo de João, mostrando que a profecia considera uma linha de continuidade histórica.
Portanto, a estrutura profética do Apocalipse é construída sobre a ideia de que o futuro se compreende à luz do passado. O Espírito profético nos conduz pela história com um propósito claro: “Para entender o que virá, é preciso primeiro entender o que já foi.”
O Exemplo-Chave: Apocalipse 12
O capítulo 12 é um excelente exemplo dessa dinâmica. A visão apresenta o nascimento de um “filho varão”, claramente uma referência ao nascimento de Jesus. Isso representa um salto para o passado — cerca de cem anos antes de João escrever — mesmo que a profecia esteja tratando de um conflito que atravessa os séculos. A narrativa então avança para mostrar a perseguição da mulher (a Igreja) pelo dragão, abrangendo desde os dias apostólicos até o período medieval e apontando para os eventos finais.
Aplicando esse Princípio à Interpretação das Bestas
Com esse entendimento, é fundamental aplicar o mesmo princípio à interpretação das bestas de Apocalipse 13 e 17. Essas figuras proféticas não surgem do nada. Elas são manifestações históricas de um poder que já vinha se desenvolvendo ao longo do tempo. A besta escarlate (Ap 17), por exemplo, não pode ser corretamente compreendida sem se considerar a besta do mar e a da terra (Ap 13), que por sua vez se ligam diretamente à figura do dragão (Ap 12) — e todas essas se enraízam nas quatro bestas descritas em Daniel 7.
Assim, a interpretação profética exige uma leitura histórica conectada. As bestas representam sistemas que emergem em continuidade com os impérios anteriores. Elas carregam consigo traços do paganismo romano, da cristandade corrompida e da aliança entre poder secular e religioso.
Conclusão
As profecias do Apocalipse estabelecem bases interpretativas em eventos do passado. Sua estrutura, desenhada com sabedoria divina, revela que o passado é a chave para compreender o futuro. Esse recurso literário e profético não é um “quebra-cabeça confuso”, mas uma construção intencional, onde a história antiga se conecta ao presente de João para lançar fundamentos sólidos à revelação do porvir.
Essa dinâmica — entre passado, presente e futuro — é essencial para uma leitura coerente e fiel do livro. O Apocalipse não apresenta os eventos em linha reta, mas sim em camadas temporais entrelaçadas, que revelam o plano de Deus em sua plenitude histórica e escatológica.
Assim, a correta interpretação das profecias apocalípticas deve apoiar-se nessa estrutura temporal revelada, onde os símbolos são iluminados pela continuidade histórica. Ignorar esse princípio é correr o risco de desconectar o que foi divinamente unido, de distorcer os símbolos e de romper a harmonia profética que une os livros de Daniel e Apocalipse numa só visão abrangente e inspirada do destino da humanidade.
Nota: Abaixo segue uma digressão
Digressão é um recurso textual utilizado para tratar de um assunto pertinente, mas que representa uma breve interrupção ou desvio em relação ao foco principal do texto. Ao longo deste material, haverá momentos em que faremos digressões para explicar temas paralelos que contribuem para a compreensão do conteúdo central.
Digressão 01: O equívoco da interpretação os sete papas reis
Nesta digressão primeira digressão, queremos contestar uma interpretação que tem sido propagada nas últimas duas a quatro décadas: a ideia de que os “sete reis” — mencionados na profecia e que abordaremos mais adiante — se referem a sete papas que governariam o Vaticano, sendo seguidos por um oitavo, identificado como o último papa antes da volta de Jesus. Segundo essa contagem, esse oitavo seria o Papa Francisco, cuja morte teria, segundo a expectativa desses intérpretes, precipitado o retorno de Cristo — o que claramente não se concretizou.
Esse equívoco é recorrente entre alguns intérpretes da profecia, e decorre, em grande parte, da negligência quanto ao uso de uma metodologia hermenêutica adequada para a interpretação profética. Entre outros fatores, esse erro se agrava pela falta de atenção ao que chamamos de princípio dos grandes eventos.
O Princípio dos Grandes Eventos #
O Princípio dos Grandes Eventos estabelece que Deus, por meio das principais profecias bíblicas, nos oferece um panorama abrangente da história da humanidade, destacando, antes de tudo, acontecimentos de grande impacto e relevância mundial. Ou seja, as profecias não estão voltadas a detalhes obscuros ou incidentes marginais, mas a marcos históricos que, por sua importância, figurariam nas primeiras páginas de qualquer livro de história.
Um exemplo clássico é o livro de Daniel, que descreve quatro grandes impérios mundiais: Babilônia, Média-Pérsia, Grécia e Roma. Esses impérios são reconhecidos não apenas por estudiosos da Bíblia, mas também em qualquer manual de História Geral do Ensino Médio — exatamente porque se tratam de eventos fundamentais na formação da civilização ocidental. As profecias, portanto, não geram dúvidas quanto à identificação desses reinos; ao contrário, são claras, reconhecíveis e universalmente aceitas pelas igrejas que se dedicam ao estudo profético.
Em contraste, interpretações que associam profecias a sucessões pontuais de papas, com nomes, datas e episódios de pouca projeção histórica, enfrentam sérias dificuldades. Esse tipo de leitura se afasta do modelo bíblico, que sempre aponta para movimentos históricos amplos, transformadores e globalmente relevantes.
Uma ilustração pode ajudar a esclarecer esse princípio: seria como orientar alguém a encontrar um endereço dizendo-lhe para seguir o carro verde, acompanhar o voo de um passarinho, procurar pegadas de um gato ou localizar a casinha de um cachorro. Todos esses sinais são instáveis, efêmeros e pouco confiáveis. O carro pode não estar lá, o pássaro voar em outra direção, as pegadas desaparecer com o vento, e a casinha ser retirada. Agora, se dissermos ao viajante: “siga até a Torre Eiffel” ou “vá até a Estátua da Liberdade”, estamos dando sinais consistentes, estáveis e facilmente identificáveis — marcos visíveis e duradouros que garantem que o viajante chegará ao destino.
Deus não nos deu a profecia como algo frágil ou inconsistente. Ele nos deu um mapa confiável, com marcos firmes, que nos conduzem com segurança até o cumprimento final: a chegada do Seu Reino.
Outro exemplo eloquente desse princípio é a profecia sobre a grande tribulação, em Mateus 24. Jesus afirma:
“Porque haverá então grande aflição, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem tampouco há de haver” (Mateus 24:21).
Esse evento é tão significativo que só pode se referir a uma tribulação de proporções históricas inigualáveis. Muitos intérpretes compreendem que essa profecia aponta para o sofrimento histórico do povo judeu, espalhado e perseguido ao longo de quase dois mil anos de dispersão. Se não for esse o cumprimento da grande tribulação, então teríamos de esperar um evento ainda maior, que durasse mais de dois milênios — algo totalmente improvável, considerando que outras profecias indicam claramente que estamos vivendo no tempo do fim. Assim, essa interpretação se mostra não apenas possível, mas a mais coerente e viável.
Portanto, a interpretação profética deve sempre se fundamentar, antes de tudo, no Princípio dos Grandes Eventos. Esse princípio evita que se apliquem as profecias a acontecimentos de pouca relevância histórica, protege contra interpretações desconectadas da realidade e preserva a clareza quanto ao momento da chegada do Reino de Deus.
O princípio da interpretação hermenêutica #
Este princípio refere-se ao conjunto de interpretações já estabelecidas e reconhecidas ao longo da história da fé. A profecia bíblica não é campo livre para a imaginação individual, onde cada leitor possa atribuir significados conforme seus próprios pensamentos. Deus revelou as profecias de maneira estruturada, em que cada parte se conecta a outras, formando um todo coerente e interdependente. Essa estrutura jamais foi, nem deve ser, deixada de lado.
O apóstolo Pedro nos adverte:
“Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação.” (2 Pedro 1:20)
A expressão “sabendo primeiramente isto” já nos indica que, antes de qualquer tentativa de interpretação, é necessário um método adequado. Isso reforça a ideia de que a interpretação das profecias não pode ser feita de forma aleatória ou isolada, mas deve estar baseada em princípios sólidos e em conhecimentos previamente estabelecidos.
A continuação do texto — “de particular interpretação” — confirma ainda mais essa ideia. A interpretação correta das profecias deve estar em harmonia com o conjunto das Escrituras e, sempre que possível, conectada a interpretações que já foram fornecidas pela própria Bíblia.
Além dos profetas, Deus levantou intérpretes entre o Seu povo, que nos ajudam a compreender o significado das revelações. A seguir, apresentaremos alguns exemplos bíblicos que ilustram esse princípio de interpretação profética a partir das próprias Escrituras.
Interpretações Proféticas no Antigo Testamento
O Antigo Testamento oferece diversos exemplos notáveis de interpretações proféticas, que não apenas esclarecem visões e sonhos, mas também estabelecem um padrão para a correta compreensão das mensagens divinas. A seguir, destacamos alguns dos principais momentos:
1. Daniel interpreta o sonho de Nabucodonosor (Estátua): Em Daniel 2, o profeta interpreta o sonho do rei Nabucodonosor, no qual uma grande estátua composta por diferentes metais representava quatro impérios mundiais sucessivos: Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Essa interpretação forneceu um panorama profético da história mundial, começando no tempo do próprio Daniel.
2. Daniel interpreta a visão do rei Belsazar (Escrita na parede): No capítulo 5 do mesmo livro, Daniel é chamado a decifrar a misteriosa escrita “MENE, MENE, TEQUEL, PARSIM”, que apareceu na parede durante um banquete real. A interpretação revelou que o reinado de Belsazar havia sido pesado e achado em falta, e que seu reino seria entregue aos medos e persas naquela mesma noite.
3. O anjo Gabriel interpreta a visão do carneiro e do bode para Daniel:
Em Daniel 8:15-27, após uma visão envolvendo um carneiro e um bode, o anjo Gabriel é enviado para interpretar o significado. Ele explica que o carneiro representa o Império Medo-Persa, e o bode simboliza o Império Grego, antecipando o surgimento de Alexandre, o Grande, e a posterior fragmentação de seu reino.
4. Daniel interpreta a profecia de Jeremias sobre os 70 anos de cativeiro: Em Daniel 9:2, o profeta, ao estudar os escritos de Jeremias (especialmente Jeremias 25:11-12 e 29:10), compreende que o período de 70 anos de cativeiro na Babilônia estava chegando ao fim. Essa percepção o leva a uma oração fervorosa de arrependimento e intercessão pelo povo de Israel.
5. Gabriel interpreta a profecia das 70 semanas para Daniel:
Ainda em Daniel 9:20-27, após a oração do profeta, Gabriel retorna com a interpretação da profecia das 70 semanas. Essa revelação estabelece um calendário profético para a vinda do Messias e para a restauração espiritual de Israel, sendo uma das mais importantes e detalhadas profecias messiânicas da Bíblia.
6. José interpreta os sonhos de Faraó: Em Gênesis 41, José, preso injustamente no Egito, é chamado para interpretar os sonhos do faraó. Ele revela que os sete anos de vacas gordas e espigas cheias simbolizam sete anos de fartura, seguidos por sete anos de fome severa. Sua interpretação salva o Egito e outras nações do colapso, e o eleva à posição de governador.
7. José interpreta os sonhos do copeiro e do padeiro: No capítulo anterior, Gênesis 40, ainda na prisão, José interpreta os sonhos de dois servos do faraó: o copeiro-chefe e o padeiro-chefe. O sonho do copeiro indicava sua restauração ao cargo; o do padeiro, sua execução. Ambos os eventos se cumpriram exatamente como interpretado.
Interpretações Proféticas no Novo Testamento
No Novo Testamento, encontramos diversos momentos em que profecias do Antigo Testamento são interpretadas à luz dos acontecimentos do tempo de Jesus e da Igreja primitiva. Um exemplo marcante é quando Jesus interpreta a profecia de Daniel sobre a “abominação da desolação” (Mateus 24:15). Ele indica que tal evento se cumpriria quando Jerusalém fosse sitiada, trazendo uma aplicação histórica concreta à visão simbólica de Daniel.
Outro momento significativo ocorre após a ressurreição, quando, no caminho de Emaús, Jesus explica aos discípulos “em todas as Escrituras” aquilo que se referia a Ele, desde Moisés até os profetas (Lucas 24:27, 44–45). Jesus, portanto, atua como intérprete das profecias messiânicas, revelando como toda a história de Israel apontava para sua missão redentora.
No livro do Apocalipse, o apóstolo João também recebe interpretações diretas de suas visões por meio de anjos. Um exemplo está em Apocalipse 17:7, onde um anjo lhe diz: “Eu te direi o mistério da mulher e da besta…”, iniciando uma explicação detalhada do símbolo da grande prostituta sobre a besta escarlate. Esse padrão de interpretação angélica reforça o princípio de que as visões proféticas são acompanhadas de esclarecimentos divinos, evitando interpretações subjetivas.
Na Igreja primitiva, os apóstolos também interpretaram profecias à luz dos acontecimentos contemporâneos. No Pentecostes, Pedro interpreta o derramamento do Espírito Santo como o cumprimento da profecia de Joel 2:28–32 (Atos 2:16–21), explicando que os sinais e manifestações espirituais marcavam os “últimos dias” anunciados pelo profeta.
No Concílio de Jerusalém, Tiago também faz uso de uma profecia para justificar a inclusão dos gentios na comunidade cristã. Citando Amós 9:11–12, ele demonstra que a restauração do tabernáculo de Davi incluía a vinda dos gentios para buscar ao Senhor (Atos 15:15–17), reforçando a legitimidade da decisão apostólica.
Por fim, o apóstolo Paulo constantemente recorre ao Antigo Testamento para interpretar a missão de Cristo e o papel de Israel e dos gentios no plano da salvação. Em Atos 13:32–41 e especialmente em Romanos 9–11, ele apresenta Jesus como o cumprimento das promessas feitas aos patriarcas e explica que o remanescente fiel de Israel, junto aos gentios crentes, forma o verdadeiro povo de Deus.
Esses exemplos mostram que a própria Bíblia estabelece um padrão de interpretação profética que é coletivo, contextual e fundamentado nas Escrituras, sendo guiado por Cristo, pelos apóstolos e, muitas vezes, por revelações angelicais. Isso reforça o princípio de que “nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação” (2 Pedro 1:20), pois toda interpretação legítima está conectada a um corpo maior de revelação já consolidado.
Conclusão
Ao observarmos os diversos momentos em que profecias são interpretadas na Bíblia, podemos identificar alguns pontos em comum que orientam e legitimam essas interpretações. Em primeiro lugar, as interpretações são quase sempre dadas por figuras autorizadas, como profetas, apóstolos, anjos e o próprio Jesus. Isso mostra que a autoridade para interpretar a revelação divina não é atribuída a qualquer pessoa, mas àqueles capacitados por Deus.
Além disso, a interpretação nunca contradiz a profecia original. Pelo contrário, ela serve para esclarecê-la à luz das Escrituras, mostrando sua harmonia com o restante da revelação. Essa coerência reforça a unidade da mensagem profética ao longo de toda a Bíblia.
Outro aspecto fundamental é que Deus demonstra cuidado em explicar as visões ao Seu povo. Embora as profecias muitas vezes usem uma linguagem simbólica e misteriosa, elas são posteriormente traduzidas para uma linguagem mais clara e compreensível, seja por meio de anjos, seja por meio dos próprios profetas ou apóstolos. Isso confirma que Deus deseja que Seu povo compreenda as mensagens proféticas e se prepare para o cumprimento de Sua vontade.
O princípio dos sentidos simbólicos #
O princípio dos sentidos simbólicos orienta a forma como aplicamos os significados aos símbolos usados nas profecias bíblicas. Esse princípio estabelece que a simbologia profética não deve ser interpretada de maneira arbitrária ou variável, mas sim de forma padronizada e consistente em toda a Escritura. Quando uma imagem simbólica é usada em diferentes visões ou livros proféticos, ela carrega o mesmo sentido fundamental, mesmo que esteja relacionada a acontecimentos históricos distintos.
Isso significa que cada símbolo possui uma chave de interpretação que permanece válida, independentemente do tempo ou do contexto imediato. Dessa forma, a repetição de um símbolo em múltiplas profecias aponta para eventos similares em sua natureza, ainda que ocorram em épocas e circunstâncias diferentes.
O Padrão simbólico de Luz e Trevas
Na linguagem profética da Bíblia, os símbolos de luz e trevas, bem como a escuridão do sol, da lua e das estrelas, não são apenas figuras poéticas, mas representações profundas de mudanças históricas, culturais e morais de grande impacto. Esses elementos aparecem em momentos cruciais das Escrituras para descrever crises de civilização, decadência moral ou, por outro lado, avanços espirituais e culturais. Três textos são especialmente representativos dessa linguagem simbólica: Isaías 13, Mateus 24 e o livro do Apocalipse.
Isaías 13 – O Julgamento sobre a Babilônia
“Porque as estrelas dos céus, e os astros, não deixarão brilhar a sua luz; o sol se escurecerá ao nascer, e a lua não fará resplandecer a sua luz.” (Isaías 13:10)
Neste oráculo contra a Babilônia, Isaías utiliza imagens cósmicas para descrever o colapso de um império dominante. O escurecimento dos corpos celestes simboliza a queda de uma cultura que, até então, iluminava o mundo com seu poder, sua influência e seus valores. O fim de sua luz representa a quebra de seu domínio cultural e político.
Mateus 24 – O Discurso Profético de Jesus
“Logo depois da tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará sua luz, as estrelas cairão do céu e os poderes dos céus serão abalados.” (Mateus 24:29)
Jesus retoma a linguagem de Isaías ao anunciar a destruição de Jerusalém e os sinais do fim. Mais uma vez, a escuridão nos astros representa mudanças históricas radicais, especialmente no mundo religioso e social. O escurecimento indica um retrocesso espiritual e moral, uma época de trevas onde estruturas antigas colapsam e novos rumos são exigidos.
Apocalipse
“O quarto anjo tocou a trombeta, e foi ferida a terça parte do sol, da lua e das estrelas, para que se escurecesse a terça parte deles…” (Apocalipse 8:12)
Em diversas passagens do Apocalipse, o escurecimento dos luminares marca o avanço de grandes juízos e transformações mundiais. A luz, símbolo da verdade, sabedoria e justiça, cede lugar às trevas — sinal de decadência cultural, social e moral. Tais eventos refletem o colapso de sistemas humanos, o fim de ideologias dominantes, e a substituição de valores anteriormente considerados sólidos.
Em todos esses textos, a luz representa não apenas conhecimento ou verdade religiosa, mas avanços culturais, sociais e morais. Quando a luz aparece, é como se uma nova consciência surgisse — mais justa, mais humana, mais próxima do ideal divino. Já as trevas indicam períodos de repressão, ignorância e degradação moral, quando a sociedade retrocede em seus valores fundamentais.
Assim, ao observarmos o uso profético dessas imagens, entendemos que a Bíblia não fala apenas do céu literal, mas da condição espiritual e cultural dos povos. O sol que se apaga, a lua que não brilha, e as estrelas que caem representam o colapso de referências sociais que antes guiavam os povos.
Este é um exemplo de simbolismo profético. No caso, ele significa uma mudança cultural, social e moral de uma sociedade. O mesmo simbolismo aparece em Isaías, em Mateus e em Apocalipse. Nas três profecias, que representam momentos diferentes na história, devemos aplicar o mesmo sentido. Não podemos, simplesmente, encontrar um novo significado e dizer que se trata de outro acontecimento, ou outras características.
O Padrão Simbólico dos Cavalos
Dentro da linguagem profética da Bíblia, o cavalo é um símbolo poderoso e recorrente. Ele representa, de modo geral, o progresso da humanidade — especialmente no campo político, social, espiritual ou militar. A presença de cavalos em visões proféticas indica movimento, avanço, mudança de cenário e, em muitos casos, o desenvolvimento ou o declínio de uma era histórica.
Esse símbolo aparece com destaque em dois momentos centrais do Apocalipse: no capítulo 6 e no capítulo 19. E a comparação entre essas duas visões revela um contraste entre o progresso humano distorcido e o progresso redimido por Deus.
Apocalipse 6: O Progresso em Declínio
Na abertura dos quatro primeiros selos (Apocalipse 6), vemos uma sequência de cavalos que retratam um processo decadente da civilização:
Cavalo branco – Inicia a cena como símbolo de conquista e aparente pureza. É o progresso inicial, com aparência de nobreza e autoridade.
Cavalo vermelho – Representa guerra, conflito e violência. O progresso degenera em luta e sangue. Cavalo preto – Simboliza crise econômica e desigualdade social. O cavaleiro traz uma balança, sinalizando fome, exploração e injustiça. Cavalo amarelo (ou pálido) – É a culminação da decadência: a morte. Representa o colapso final de um progresso que perdeu sua direção.
Apocalipse 19: O Progresso Redimido
No clímax da revelação profética, encontramos novamente o cavalo branco, agora em um contexto completamente diferente:
O Cavalo Branco de Cristo – Aqui, quem cavalga é “Fiel e Verdadeiro”, com justiça julga e peleja. A imagem é de um avanço vitorioso e justo. Os exércitos celestiais – Também montados em cavalos brancos, seguem o
Cavalo Branco de Cristo. Não há mais vermelho, nem preto, nem amarelo. Todos os cavalos são brancos, representando um progresso puro, restaurado e guiado por Deus. Essa visão mostra o progresso restaurado, conduzido pela verdade, justiça e fidelidade de Cristo. O que antes se degradava, agora é elevado. O movimento humano, redimido, cumpre seu propósito final.
O símbolo dos cavalos na profecia bíblica revela a direção do progresso da humanidade — seja para a destruição, quando guiado pelo egoísmo e pelo pecado, seja para a redenção, quando guiado pela verdade de Deus. Apocalipse 6 mostra o cavalo que corre para a queda; Apocalipse 19, o cavalo que cavalga para a vitória. Ambos representam o movimento inevitável da história, mas apenas um revela o fim glorioso de um progresso que foi santificado pelo Cordeiro.
Conclusão
O que é fundamental compreender no uso dos símbolos proféticos é a manutenção de um padrão simbólico coerente. Tanto em Apocalipse 6 quanto em Apocalipse 19, o símbolo do cavalo representa essencialmente o mesmo tipo de realidade: o avanço — ou o retrocesso — da sociedade ao longo da história.
Em ambos os casos, o que está em pauta é a marcha da civilização humana, o movimento dos povos, das ideias e das estruturas sociais, rumo ao colapso ou à redenção. O que varia é o caráter desse progresso: no capítulo 6, trata-se de uma decadência progressiva; no capítulo 19, de uma restauração gloriosa.
Esse padrão interpretativo deve orientar todas as leituras simbólicas em que cavalos aparecem na profecia bíblica. Por exemplo, no livro de Zacarias, onde também se menciona cavalos em visões proféticas, o princípio permanece: os cavalos representam o movimento histórico e o progresso das ações humanas ou divinas sobre a terra.
Portanto, manter esse significado simbólico consistente é essencial para uma hermenêutica fiel e segura. A profecia não se contradiz; ela se constrói em camadas de sentido que se conectam ao longo de toda a revelação bíblica.
O princípio dos sentidos simbólicos nos ajuda a interpretar a profecia de forma coerente, respeitosa ao texto bíblico e em harmonia com o todo das Escrituras. Ele evita interpretações subjetivas ou contraditórias, e nos permite reconhecer padrões proféticos que se repetem ao longo da história. Com isso, a profecia se revela como uma mensagem ordenada, com linguagem própria e profundamente conectada com os acontecimentos reais da história humana.
Essa consistência simbólica reforça o valor do princípio dos sentidos simbólicos, mostrando que Deus nos fala em imagens claras e conectadas, para que possamos compreender os caminhos da história sob a luz da profecia.
Estabelecidos esses parâmetros fundamentais, podemos agora avançar para a interpretação.
Contexto Histórico-Profético da Besta Escarlata #
A besta escarlata representa, na história, o Sacro Império Romano Germânico. Temos outras bestas no Apocalipse:
- A besta que sobe do mar (Ap 13:1–10), identificada com o Império Romano (especialmente sua fase bizantina);
- A besta que sobe da terra (Ap 13:11–18), associada ao Império Franco, que estabeleceu a base político-religiosa da cristandade medieval.
A correta interpretação dessas bestas requer, como ponto de partida, um retorno ao capítulo 12 do Apocalipse, onde surge o grande dragão vermelho com sete cabeças e dez chifres — símbolo do poder satânico atuando por meio dos impérios. Esse dragão serve de pano de fundo para entender o surgimento das bestas. Também precisamos considerar o livro de Daniel, capítulo 7, onde são descritas quatro bestas, representando quatro grandes impérios mundiais.
As Sete Bestas: A Linha Histórica das Perseguições Religiosas #
Daniel 7 apresenta a seguinte sequência profética:
- Babilônia;
- Média-Pérsia;
- Grécia;
- Roma.
Contudo, Apocalipse 17 amplia essa linha histórica, indo além de Daniel. Ele traz uma perspectiva de sete reinos que perseguiram o povo de Deus ao longo da história, começando antes de Babilônia. Assim, a estrutura histórica passa a incluir mais dois. Vejamos a lista completa:
- Egito – que oprimiu Israel no Êxodo;
- Assíria – que destruiu o Reino do Norte de Israel;
- Babilônia – que levou Judá ao exílio;
- Média-Pérsia – que dominou os judeus durante o retorno do cativeiro;
- Grécia – que perseguiu os fiéis durante o domínio selêucida;
- Roma – que oprimiu os cristãos nos primeiros séculos e destruiu Jerusalém;
- Império Franco – que deu base ao Papado e à cristandade medieval.
A besta escarlata, oitava entidade na sequência, representa então o Sacro Império Romano Germânico, que sucedeu o Império Franco e perpetuou a união entre o poder político e o religioso na Europa cristã medieval durante séculos.
Conclusão: Entendendo Apocalipse 17 à Luz da História #
Compreender Apocalipse 17 requer visualizar essa sequência profética de impérios como uma linha contínua de poderes que se levantaram contra o povo de Deus. O capítulo 17 nos mostra a besta escarlata carregando uma mulher — símbolo de um sistema religioso apóstata — numa aliança entre Igreja e Estado. As sete cabeças representam sete reinos consecutivos do Egito até o Império Franco. O oitavo, a besta escarlata, é o último sistema imperial que perseguiu os santos e uniu os poderes religiosos e seculares: o Sacro Império Romano Germânico.
Mentalizar essa sequência histórica é essencial para interpretar corretamente não só Apocalipse 17, mas toda a estrutura profética do Apocalipse.
Estabelecido este pano de fundo da história, vamos conhecer o mistério da besta.
O Mistério da Besta #
A besta que viste foi e já não é, e há de subir do abismo, e irá à perdição; e os que habitam na terra (cujos nomes não estão escritos no livro da vida, desde a fundação do mundo) se admirarão, vendo a besta que era e já não é, ainda que é. Aqui o sentido, que tem sabedoria. As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada. E são também sete reis; cinco já caíram, e um já é; o outro ainda não é vindo; e, quando vier, convém que dure um pouco de tempo. E a besta que era e já não é, é ela também o oitavo, e é dos sete, e vai à perdição. (Apocalipse 17:8-11)
Em Apocalipse 17:8-14 está a interpretação do anjo que desvenda o mistério da besta. Para isso, precisamos entender as três partes do símbolo: a besta, suas cabeças e seus chifres.
- A besta (vv. 8 e 11)
- As cabeças (vv. 9–10)
- Os chifres (vv. 12–14)
Vamos examinar cada parte.
A besta escarlata – A chave de sua Identidade histórica #
O mistério da besta está concentrado em Apocalipse 17:8 a 11. Esses quatro versículos contêm, de forma condensada, a chave fundamental para sua identificação. Se forem mal compreendidos, todo o esforço de interpretação pode cair em erro. O texto revela que a besta em questão está ligada a um momento histórico específico, mas suas raízes remontam ao passado.
O verso 8 afirma que “a besta que viste era e já não é”, indicando que essa potência existiu anteriormente, desapareceu, mas voltaria a surgir — descrita como “subindo do abismo”. Já no verso 9, a profecia apresenta o enigma das sete cabeças: “As sete cabeças são sete montes”. Em linguagem profética, montes simbolizam reinos. O verso 10 amplia esse significado: “são também sete reis”, ou seja, sete poderes políticos consecutivos. A profecia então oferece um marco cronológico claro: cinco reis já haviam caído antes da época do apóstolo João, um estava em vigor — o sexto — e o sétimo ainda surgiria, mas permaneceria por pouco tempo. O verso 11 retoma a figura enigmática do verso 8 e introduz uma informação numérica: “a besta que era e já não é, ela também é o oitavo, e é dos sete”. Ou seja, esse oitavo rei surge como uma espécie de retorno de um dos sete.
O oitavo rei não surge de forma isolada, mas como uma continuação direta do anterior, refletindo a expressão: “é dos sete”. Ao compreender a progressão histórica, vemos que o Sacro Império Romano, sob a liderança germânica, representa ressurreição do poder imperial franco em um novo formato, consolidando sua identidade como a besta que “era, e já não é”, mas que viria novamente.
Nesse conjunto textual, o anjo intérprete constrói um mapa histórico linear e coerente, em que a besta se revela como a culminação de uma linha de impérios sucessivos, cuja identidade é conhecida através dessa contagem matemática precisa. Essa interpretação numérica, singular é profundamente racional da história profética dos impérios mundiais. Esta linguagem nos convida a compreender a progressão cronológica e política dos grandes impérios que dominaram o povo de Deus ao longo da história através de uma chave profética.
Oitavo rei: Império Germânico – Abrindo a chave numérica
E são também sete reis; cinco já caíram, e um já é; o outro ainda não é vindo… …E a besta que era e já não é, é ela também o oitavo, e é dos sete, e vai à perdição. Apocalipse 17:10,11
Identificar essa besta de maneira objetiva, direta e categórica é essencial. Isso elimina a necessidade de raciocínios complexos, interpretações subjetivas, especulações desnecessárias e suposições. A identificação da besta escarlata repousa no método utilizado pelo anjo intérprete, ele ofereceu uma chave matemática, apresentando uma explicação de forma racional e lógica. Essa identificação dos reinos de forma matemática cria uma chave numérica cuja contagem sequencial não permite erro. Ela é tão simples como contar até três.
Sabendo que o sexto reino é o Império Romano — o poder dominante na época de João —, basta seguir a sequência histórica para identificar o sétimo e o oitavo. O sétimo é o Império Franco, que durou pouco tempo. E o oitavo, que surge “dos sete”, é o Sacro Império Romano-Germânico — uma continuação germânica do projeto imperial franco.
Vamos conhecer esta cronologia histórica dos sete reinos.
Do Egito ao Império Franco #
1. “Cinco já caíram” — Os Impérios da Antiguidade (antes de João)
Antes do Império Romano, cinco grandes reinos dominaram o mundo conhecido e o povo de Deus: Egito, Assíria, Babilônia, Média-Pérsia, Grécia. Esses reinos “caíram” antes do tempo de João (fim do século I), e formam o fundamento histórico cronológico da interpretação.
2. “Um já é” (existe) — O Império Romano
No momento em que João recebe a visão do Apocalipse, o Império Romano era o poder dominante no mundo e a principal manifestação do poder perseguidor. Este é o sexto rei. A partir dele, segue-se a chave numérica: Império Romano (6) → Império Franco (7) → Império Germânico (8).
3. “O outro ainda não é vindo” — O Império Franco como o Sétimo Reino
O sétimo rei, segundo a profecia, ainda não existia no tempo de João, mas viria após Roma. Este reino cumpre duas características:
- “ainda não é vindo”;
- “convém que dure pouco tempo”.
Historicamente, esse reino se manifesta com o surgimento do Império Franco, especialmente sob Carlos Magno, coroado imperador pelo papa em 800 d.C.
O Império Franco é o primeiro a tentar restaurar a autoridade de Roma no Ocidente sob uma roupagem cristã. A aliança entre a Igreja e o Estado, representada na coroação papal, marca o início simbólico do sétimo reino.
Porém, ele “dura pouco tempo”. Com a morte de Carlos Magno, o império rapidamente se fragmenta, especialmente com o Tratado de Verdun (843), que divide o império entre seus netos. A unidade imperial desaparece, e com ela a forma visível da besta.
2. “Quando vier, deve durar pouco”
A profecia de Apocalipse 17:10 afirma que o sétimo rei, ao surgir, “deve durar pouco”. Historicamente, esse papel se encaixa com precisão no Império Franco, especialmente durante sua fase como Império Carolíngio, estabelecido por Carlos Magno. A expressão “deve durar pouco” não é meramente simbólica: ela descreve, com exatidão, o breve ciclo de unidade e poder desse império. Embora tenha representado uma retomada do ideal imperial cristão no Ocidente, o Império Franco rapidamente se fragmentou, perdendo sua força política e abrindo caminho para o oitavo reino — o Sacro Império Romano-Germânico, que herdaria sua base cultural e religiosa.
O início do Império Franco foi marcado por grande glória. Em 800 d.C., Carlos Magno foi coroado imperador pelo papa Leão III, em Roma. Esse momento foi interpretado como o renascimento do Império Romano, agora sob liderança germânica e com profunda vinculação cristã. No entanto, essa restauração foi efêmera.
Após a morte de Carlos Magno, em 814, seu filho Luís, o Piedoso assumiu o trono. Mas o verdadeiro colapso começou com os netos de Carlos Magno, que dividiram o império no Tratado de Verdun, em 843. Com isso, surgiram três novos territórios: França Ocidental, França Oriental e França Média. Essa divisão pôs fim à unidade imperial franca.
O tempo de glória durou apenas 43 anos (de 800 a 843) — um período extremamente curto se comparado à longevidade de outros impérios, como o Romano. O Império Franco foi, portanto, um lampejo na história, embora fundamental.
Dessa forma, o Império Franco cumpre exatamente o perfil do sétimo rei: não existia nos dias de João, surgiu após o Império Romano, retomou o ideal imperial cristão, mas teve vida curta. Ele funcionou como uma ponte histórica e profética entre Roma e o Sacro Império, preparando o terreno para a ascensão do oitavo rei, que, segundo a profecia, viria do mesmo sistema.
Vamos, agora, aos detalhes desta besta que ressurge como oitavo rei.
Do Império Franco ao Germânico #
1. “Era” — A Continuidade de Roma no Império Franco
O Império Franco teve início com os francos, um povo germânico estabelecido na Gália. Sob Clóvis I (r. 481–511), o reino foi unificado e estabeleceu uma aliança sólida com a Igreja de Roma, por meio de sua conversão ao cristianismo católico.
A consolidação imperial ocorreu com Carlos Magno (r. 768–814), que foi coroado pelo papa Leão III em 800 d.C. como “Imperador dos Romanos”. Este ato simbolizou a restauração do antigo ideal romano sob uma nova forma cristã e germânica, fundindo a espada do Estado com a autoridade da Igreja.
Essa fase representa o “era” de Apocalipse 17: a besta — o poder perseguidor imperial — retorna com nova aparência, agora cristianizada, mas ainda portando a essência da antiga Roma. O Império Carolíngio, portanto, é a sétima cabeça da besta profética.
2. “Já não é” — A Fragmentação da Unidade Imperial
Com a morte de Carlos Magno, o império começou a se desintegrar. O Tratado de Verdun (843) dividiu o Império Franco entre seus netos, levando ao enfraquecimento do poder central. Os reinos feudais passaram a dominar o cenário político, e a unidade imperial se perdeu.
A autoridade imperial desapareceu progressivamente, até a extinção da linha carolíngia no século X. Esta fase cumpre a descrição de Apocalipse: a besta “já não é” — o império deixa de existir formalmente, e sua função imperial desaparece do cenário visível.
3. “Ainda que é” — A Sobrevivência Oculta do Poder Franco na Linhagem Germânica
Mesmo após a queda formal do Império Franco, sua substância não desapareceu. Essa fase intermediária, descrita em Apocalipse 17:8 como “a besta que era, e já não é, ainda que é”, revela que, embora o poder tenha se dissolvido politicamente, ele continuava existindo em estado latente.
Os elementos centrais — o ideal do império cristão universal, a cultura latina e a aliança com o papado — permaneceram vivos, especialmente entre os povos germânicos na região oriental do antigo império franco, como os saxões, bávaros e francos orientais. Nesses territórios, as estruturas políticas e culturais herdadas do Império Carolíngio foram preservadas, mantendo a essência do poder imperial, mesmo sem sua forma institucional.
Assim, o império não mais existia formalmente, mas seguia ativo na mente dos povos e no imaginário romano-cristão. A besta já não era visível, mas ainda “era”. Essa continuidade invisível é essencial para entendermos como o sétimo rei — o Império Franco — se transforma no oitavo — o Sacro Império Romano-Germânico.
Essa fase “ainda que é” representa o intervalo entre dois momentos históricos, quando o poder imperial sobrevive nas sombras, conservando sua identidade e preparando-se para uma nova manifestação. Por isso, quando a besta ressurge, os que habitam sobre a terra se maravilham, pois veem o retorno de algo que nunca deixou de existir por completo.
4. “Subirá do Abismo” — A Restauração no Império Germânico
Essa restauração se concretizou em 962 d.C., quando Otto I, rei da Germânia, foi coroado “Imperador do Sacro Império Romano” pelo papa João XII. A besta “subiu do abismo”, — abismo significa caos social, político etc — como afirma Apocalipse 17:8, ressurgindo da crise e da fragmentação do Império Franco com uma nova aparência, mas a mesma natureza.
O novo império era chamado Sacro (por sua aliança com a Igreja), Romano (em continuidade simbólica com Roma) e Germânico (por sua base étnica e territorial). Assim, a besta volta a existir com força renovada — não mais como Império Franco, mas como Sacro Império Romano-Germânico.
Apocalipse 17:11 confirma essa identidade: “é o oitavo, e é dos sete” —
Ou seja, o Império Germânico é o oitavo reino, mas proveniente da sétima cabeça, o Império Franco. Assim, a chave profética se completa:
- 6º — Império Romano;
- 7º — Império Franco;
- 8º — Império Germânico, que “é dos sete”.
5. “Vai à perdição” – A Queda do Sacro Império Romano-Germânico
Após a identificação profética da besta como sendo o Sacro Império Romano-Germânico, resta compreender como se deu o cumprimento da sentença: “vai à perdição” (Apocalipse 17:11). Essa expressão aponta para a destruição final desse poder, o que se alinha a outras profecias que descrevem o colapso do sistema romano em suas dimensões política, militar e religiosa.
Nos textos de Daniel 2:34-35, 44-45, o grande colosso é despedaçado por uma pedra cortada sem mãos, símbolo do Reino de Deus, pondo fim aos reinos humanos, inclusive à quarta parte da estátua — o Império Romano e seus desdobramentos. Em Daniel 7:11, 22 e 26, o juízo divino põe termo ao poder do “chifre pequeno”, identificado com o papado. E em Apocalipse 16:10, o quinto flagelo atinge diretamente o trono da besta, indicando o colapso do centro político-religioso do poder romano medieval — ou seja, o Sacro Império.
Historicamente, o Sacro Império Romano-Germânico, fundado oficialmente em 962 d.C. por Otão I, perdurou por quase nove séculos, até sua dissolução em 1806. Esse desfecho não foi obra de uma simples batalha, mas resultado de um longo processo de desgaste, acelerado pela Revolução Francesa (1789) e pelas mudanças radicais promovidas durante a chamada Era das Revoluções (fins do século XVIII até o início do XIX).
Com a Revolução Francesa, as estruturas do Antigo Regime — que sustentavam a autoridade da monarquia, da nobreza e da Igreja — foram severamente abaladas. O novo espírito iluminista, racionalista e anticlerical entrou em choque direto com os fundamentos do Sacro Império, que dependia do apoio papal, da autoridade imperial hereditária e de uma ordem feudal descentralizada.
Esse quadro se agravou com a ascensão de Napoleão Bonaparte, que se posicionou como uma nova forma de poder imperial, não mais legitimado pela Igreja, mas pela força e pelo nacionalismo moderno. Em 1806, após a criação da Confederação do Reno sob influência francesa e sob pressão das derrotas militares impostas por Napoleão, o então imperador Francisco II abdicou da coroa imperial, declarando extinto o Sacro Império Romano-Germânico.
Assim, cumpre-se a profecia: a besta “vai à perdição”. A estrutura que unia a Igreja Romana e o poder secular germânico desmorona, encerrando o ciclo do oitavo rei de Apocalipse 17 — uma encarnação final do poder romano em sua forma cristianizada e medieval. O mundo entrava, então, em uma nova fase da história, marcada pela secularização dos Estados e pela erosão da autoridade papal nos assuntos políticos da Europa.
6. “É também o oitavo” — Fechando a chave numérica de sua identidade
A besta é o Império Germânico. Ela representa o oitavo rei, mas não constitui uma oitava cabeça distinta. O que ocorre, na verdade, é que uma das sete cabeças — especificamente a sétima, o Império Franco — prolonga-se na forma de um oitavo reino: o Império Germânico.
O Império Germânico não surge como uma nova entidade completamente separada, mas como a continuidade histórica e política do Império Franco. Quando analisamos os eventos históricos com atenção, percebemos que essa transição se encaixa perfeitamente no cenário profético de Apocalipse 17.
A sequência dos acontecimentos — o surgimento do Império Franco, sua decadência e a ascensão do Império Germânico — cumpre com exatidão a descrição da besta que “era, e não é, e há de subir do abismo, e irá à perdição”. Trata-se de uma única linhagem imperial que desaparece por um tempo e ressurge com nova forma e força, exatamente como a profecia anuncia.
A profecia dos sete reis oferece uma estrutura cronológica e espiritual objetiva, baseada numa contagem simples e lógica. A interpretação do anjo nos dá o ponto de partida — o sexto reino (Roma) — e nos conduz, por progressão histórica e matemática ao sétimo (Franco) e ao oitavo (Germânico).
Não existe erro. A matemática não permite. Contamos a sequência até o oitavo. Encontramos o Sacro Império Germânico e todos as chaves proféticas desvendam o mistério da besta.
Vamos aprofundar os detalhes proféticos sobre o oitavo rei.
Sete Cabeças e Dez Chifres: Desvendando mais da história do Império Franco-Germânico #
O mistério da besta escarlata, apresentado em Apocalipse 17, já foi parcialmente revelado. O próprio anjo intérprete nos ofereceu uma chave numérica fundamental para a interpretação da visão: as “sete cabeças”. O anjo explica que essas cabeças (1) “são sete montes” e (2) “são também sete reis”. A revelação se torna ainda mais intrigante com a informação de que o sétimo rei se tornaria o oitavo, e que esse oitavo seria ele mesmo a besta. Agora que já identificamos quem é a besta, avançaremos para detalhes que fortalecem e confirmam essa interpretação.
A dupla natureza das sete cabeças #
O anjo indica que as sete cabeças possuem um duplo significado. Elas representam, ao mesmo tempo, sete montes e sete reis. Isso nos mostra que estamos lidando com dois elementos históricos reais, que se complementam dentro da estrutura profética.
Antes de seguirmos com a identificação desses elementos, vale destacar a advertência feita pelo anjo: “Aqui está a mente que tem sabedoria” (Ap 17:9). Essa expressão funciona como um chamado ao estudo atento. A interpretação exige mais do que suposições — requer sabedoria, ou seja, conhecimento da história. A profecia bíblica, especialmente a do Apocalipse, exige que se caminhe lado a lado com os registros históricos. A correta interpretação só é possível quando a revelação é iluminada pelos fatos concretos da história.
A história como chave da profecia #
Nesse contexto, a história do Sacro Império Romano-Germânico — também conhecido como Império Franco-Germânico — oferece os elementos necessários para compreender a profecia de Apocalipse 17. As sete cabeças, além de representarem sete reinos consecutivos (como já visto anteriormente), também podem ser compreendidas como sete dinastias sucessivas que governaram o império. Essa segunda acepção é amplamente reconhecida por intérpretes que associam profecia e história com base em uma abordagem historicista.
Portanto, ao considerarmos que as sete cabeças são sete reis, podemos legitimamente entender que esses “reis” representam casas dinásticas — linhagens imperiais que, uma após a outra, governaram o Sacro Império Romano. Ao estudarmos essas dinastias, percebemos como cada uma delas desempenhou um papel na longa trajetória do império, moldando sua relação com a Igreja, sua autoridade política e sua influência sobre a cristandade ocidental.
Nos próximos trechos, exploraremos essas dinastias e mostraremos como elas se encaixam no panorama profético de Apocalipse 17, confirmando que o passado do império romano-cristão é essencial para compreender seu papel escatológico.
Sete dinastias como sete reis #
Ao longo de sua história, o Sacro Império Romano Germânico foi governado por diversas dinastias que moldaram profundamente a estrutura política e religiosa da Europa Ocidental entre os séculos X e XIX. A primeira dinastia após a fundação oficial do império em 962 foi a (1) dinastia otoniana, também conhecida como saxônica, que consolidou o império com a coroação de Otão I. Essa dinastia governou até 1024, tendo imperadores como Otão II, Otão III e Henrique II, que fortaleceram a autoridade imperial e aprofundaram a relação entre o trono e a Igreja, estabelecendo o padrão da coroação imperial pelo papa.
A seguir, veio a (2) dinastia saliana (ou franca), no poder de 1024 a 1125. Imperadores como Conrado II, Henrique III e Henrique IV lideraram durante um período de intensos conflitos com o papado, em especial durante a Querela das Investiduras, que marcou uma luta pela supremacia entre Igreja e Estado.
Após um breve intervalo sob a (3) dinastia de Supplinburg, representada unicamente por Lotário III (1125–1137), o trono foi ocupado pela influente (4) dinastia Hohenstaufen, também chamada de suábia, que governou de 1138 a 1254. Essa fase foi caracterizada pelo prestígio imperial e por figuras notáveis como Frederico I Barbarossa e Frederico II, embora também marcada por intensos confrontos com o papado e crises internas.
Com a morte de Frederico II, seguiu-se um período de instabilidade conhecido como o Interregno (1254–1273), no qual não havia um imperador universalmente reconhecido. Esse vácuo de poder resultou na fragmentação do império e no fortalecimento dos príncipes regionais.
A restauração da ordem ocorreu com a ascensão da (5) dinastia Habsburgo, iniciada em 1273 com Rodolfo I. Após um breve intervalo, os Habsburgos dominaram o trono imperial de forma quase ininterrupta de 1438 a 1740. Durante esse longo período, imperadores como Maximiliano I e Carlos V buscaram manter a unidade do império em meio às tensões religiosas e políticas provocadas pela Reforma Protestante e pelas guerras que se seguiram.
Entre os dois períodos hegemônicos dos Habsburgos, o trono foi ocupado pela (6) dinastia de Luxemburgo (1308–1437), cujo mais notável representante foi Carlos IV. Ele promulgou a Bula Dourada de 1356, documento que estabeleceu as regras para a eleição do imperador e consolidou o poder dos príncipes-eleitores.
Por fim, a (7) dinastia Habsburgo-Lorena assumiu o trono imperial em 1745 com Francisco I, marido de Maria Teresa da Áustria, e permaneceu no poder até 1806, quando Francisco II abdicou e dissolveu oficialmente o Sacro Império Romano Germânico diante das transformações provocadas pelas Guerras Napoleônicas e pela nova ordem europeia.
Assim, o Sacro Império Romano Germânico foi governado por um total de sete grandes dinastias: 1 – Otoniana, 2 – Saliana, 3 – Supplinburg, 4 – Hohenstaufen, 5 – Luxemburgo, 6 – Habsburgo e 7 – Habsburgo-Lorena. Cada uma delas contribuiu de maneira singular para a construção do entrelaçamento entre poder político, fé cristã e identidade europeia que caracterizou mais de oitocentos anos de história imperial.[1]
Resumo das principais dinastias:
Dinastia | Período aproximado |
Otoniana (Saxônica) | 919–1024 |
Saliana (Franca) | 1024–1125 |
Supplinburg | 1125–1137 |
Hohenstaufen (Suábia) | 1138–1254 |
Luxemburgo | 1308–1437 |
Habsburgo | 1273–1308 / 1438–1740 |
Habsburgo-Lorena | 1745–1806 |
Digressão 02: A Chave profética dos Sete Reis e do Oitavo Rei
1) Ao observarmos com atenção a profecia de Apocalipse 17, percebemos que há uma estrutura numérica recorrente que serve como chave simbólica: os números sete e oito. Da mesma forma que a visão apresenta sete grandes reinos representados pelos “sete montes”, ela também descreve “sete reis”, que podemos compreender como sete dinastias. E, assim como surge um oitavo rei — que é identificado como a própria besta — a história do Sacro Império Romano-Germânico, se considerarmos também o Império Franco como sua origem, foi composta por oito grandes dinastias imperiais.
Essa correspondência entre profecia e história não é mera coincidência, mas reforça a natureza simbólica e, ao mesmo tempo, concreta da revelação bíblica. Estudar essas sete dinastias lança luz sobre um outro aspecto do capítulo 17 — aquele que retrata a mulher assentada sobre “sete montes”. Essa imagem, que será tratada com mais profundidade na segunda parte do estudo, pode ser interpretada como uma referência simbólica às sete casas dinásticas sobre as quais a influência espiritual e política da mulher (ou sistema religioso) se estende ao longo da história imperial.
2) Por outro lado, a expressão “sete montes” também admite uma leitura geográfica ou literal. Muitos intérpretes identificam essa imagem com a cidade de Roma, tradicionalmente conhecida como a “cidade das sete colinas”. Nessa perspectiva, a mulher assentada sobre os montes se relaciona diretamente com Roma — tanto no sentido literal, por sua topografia, quanto no sentido simbólico, por seu papel como centro da cristandade e sede de poder espiritual durante grande parte da história do Ocidente.
Portanto, seja no plano dinástico, seja no plano geográfico, os “sete montes” revelam uma conexão profunda entre a profecia de João e o desenrolar histórico do Império Romano em sua forma cristianizada — o Sacro Império Romano. É nesse entrelaçamento entre símbolos e fatos que a profecia se revela com clareza àqueles que, com sabedoria, buscam entender os tempos.
Conclusão: A História que Confirma a Profecia #
Ao longo deste estudo, vimos como a estrutura profética de Apocalipse 17 encontra paralelos claros e precisos na história do Sacro Império Romano-Germânico. As sete cabeças da besta, identificadas tanto como sete montes quanto como sete reis, revelam uma profunda simetria entre a linguagem simbólica do Apocalipse e os fatos concretos da história europeia.
Esses “sete reis”, interpretados como sete dinastias imperiais, não apenas governaram o império, mas também moldaram o destino espiritual e político do continente por quase nove séculos. Quando acrescentamos à análise a figura do oitavo rei — a própria besta — vemos a emergência de uma entidade que transcende as dinastias, consolidando-se como a culminação do poder imperial em oposição direta à verdade divina.
Esse entrelaçamento entre história e profecia não é apenas instrutivo; ele é essencial para compreender o papel da besta escarlata no drama escatológico do Apocalipse. A revelação não está desconectada da realidade, mas é, antes, uma chave para interpretá-la. Por isso, ao estudar as dinastias do império, não estamos apenas revisitando eventos passados — estamos decifrando um dos maiores enigmas do fim dos tempos.
Na próxima etapa, aprofundaremos a análise da mulher assentada sobre os sete montes. Veremos como essa figura simbólica se relaciona com a estrutura política e religiosa sustentada por essas dinastias e como ela representa um sistema que atua ao longo da história, influenciando reis, nações e consciências. O passado imperial é o pano de fundo da profecia — e é nesse palco que o juízo de Deus se desenrola.
Para finalizarmos a parte do estudo que trata do mistério da besta, vamos desvendar quem são os dez reis.
Os dez chifres são dez ducados germânicos #
“Os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão poder como reis por uma hora, juntamente com a besta. Estes têm um mesmo intento e entregarão o seu poder e autoridade à besta. Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; e vencerão os que estão com ele, chamados, eleitos e fiéis.”
(Apocalipse 17:12-14)
Este é um dos momentos mais impactantes da profecia. Os dez chifres representam dez reis que ainda não haviam recebido um reino. Não devemos confundi-los com os dez chifres da besta de Apocalipse 13:1, pois ali os chifres têm coroas — indicando que já reinavam — e simbolizam os dez reinos bárbaros. Por outro lado, os dez chifres da besta escarlate representam reinos vinculados ao Sacro Império Romano-Germânico.
A expressão “receberão poder como reis por uma hora” descreve perfeitamente a natureza transitória e fragmentada da autoridade dentro desse império. De fato, dez foram os reinos que, em momentos distintos, compuseram o Sacro Império, mas nem sempre estiveram simultaneamente sob o mesmo governo. As fronteiras do Império mudavam com frequência, devido à constante anexação e exclusão de territórios ao longo da história germânica. Assim, a “hora” mencionada na profecia não indica um tempo literal, mas sim um período indeterminado, breve e instável.
Quem são os dez reis? #
Entre os intérpretes da profecia, há duas principais correntes de pensamento sobre a identidade desses dez reis:
- Futuristas: acreditam que eles representam dez nações que, no futuro, formarão uma aliança político-militar da qual surgirá a besta, a qual imporá seu sinal sobre a humanidade.
- Historicistas: interpretam esses reis como os antigos reinos bárbaros, atualmente representados pelas nações da União Europeia.
Mas são essas identificações razoáveis? Para compreender melhor, precisamos examinar a profecia com mais detalhes.
Reis por uma hora
Retomando o texto profético, o anjo intérprete declara:
“Os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão poder como reis por uma hora, juntamente com a besta.” (Apocalipse 17:12)
Essa afirmação revela que o poder dos dez reis está subordinado à besta. Expressões como “ainda não receberam o reino”, “receberão poder como reis por uma hora”, “juntamente com a besta” e “entregarão o seu poder e autoridade à besta” deixam claro que esses reis não reinam de forma independente. Quando recebem autoridade, é por um curto período e com o apoio da besta, à qual entregam seu poder.
A “hora” simboliza um tempo indefinido. Está associada à forma como esses reis exerciam poder: por meio da autoridade do imperador eleito do Sacro Império. Cada novo imperador inaugurava uma dinastia, sem um prazo determinado para deixar o trono (exploraremos esse aspecto mais adiante). Além disso, os reinos participantes nem sempre integravam o Império de maneira constante. A história do Sacro Império Romano-Germânico é marcada por mudanças frequentes em suas fronteiras, com reinos entrando e saindo de sua composição.
Nos aprofundaremos agora nessa história para compreender melhor o significado profético desses dez chifres.
A Germânia: Da Região Tribal ao Núcleo do Império Medieval #
A Germânia, na Antiguidade, era uma vasta região da Europa Central habitada por diversos povos germânicos — como os suevos, vândalos, alamanos, francos, saxões e godos. Esses povos não formavam um reino unificado, mas viviam organizados em tribos independentes, frequentemente em conflito entre si e com o Império Romano.
Com o declínio do Império Romano do Ocidente, no século V, vários desses povos germânicos invadiram e se estabeleceram em territórios antes controlados por Roma. Entre eles, os francos destacaram-se por sua importância na formação da Europa medieval. Sob a liderança de Clóvis e, mais tarde, de Carlos Magno, os francos estabeleceram o Império Franco. A parte oriental desse império corresponde ao que se tornaria a Germânia medieval — a chamada França Oriental, núcleo do futuro Sacro Império Romano-Germânico.
A Germânia não se constituiu como um reino centralizado, mas sim como uma federação de ducados e principados germânicos unidos por laços de lealdade ao rei germânico. A partir do reinado de Otto I, coroado em 962, esse rei passou a ostentar o título de Imperador do Sacro Império Romano.
Esse “império germânico” assumia o legado do Império Carolíngio e buscava reviver o ideal romano-cristão de um império universal, legitimado e abençoado pelo papa. A Germânia tornou-se, assim, o centro político, militar e cultural do Sacro Império Romano-Germânico, mantendo sua posição como potência dominante na Europa Central por vários séculos.
O Império Germânico Medieval, mais precisamente o Sacro Império Romano-Germânico, foi formado a partir da base territorial e política dos ducados germânicos originados do Reino da Germânia — a parte oriental do antigo Império Carolíngio. Entre os séculos IX e X, os principais dez ducados históricos que compuseram essa base foram:
- Saxônia
- Baviera (Bayern)
- Suábia (Schwaben)
- Francônia (Franken)
- Lotaríngia (Lothringen)
- Turingia (Thüringen)
- Caríntia (Kärnten)
- Alta Lorena (Oberlothringen)
- Baixa Lorena (Niederlothringen)
- Boêmia
Esses ducados não foram criados simultaneamente, mas foram sendo reconhecidos e fortalecidos ao longo dos séculos IX a XI, servindo como base para a estrutura descentralizada de poder do Império. Com o passar do tempo, especialmente durante o Alto e o Baixo Império, surgiram outras configurações políticas que, embora diferentes em nome ou abrangência, representavam uma evolução da composição original.
Nessa fase posterior, os principais reinos do império passaram a ser listados da seguinte forma: Boêmia, Baviera, Lorena, Suábia, Áustria, Itália, Francônia, Borgonha, Provença e Saxônia. Embora os nomes variem, tratam-se, em essência, das mesmas regiões, agora organizadas sob uma estrutura mais consolidada e amadurecida.
Entregarão seu poder à besta: as eleições imperiais #
Ter a “mesma ideia” e “entregar o reino à besta” significa que os reis concordaram em abrir mão do poder descentralizado em favor de um governo centralizado. A profecia afirma: “Porque Deus tem posto em seus corações que cumpram o seu intento, e tenham uma mesma ideia, e que deem à besta o seu reino, até que se cumpram as palavras de Deus” (Apocalipse 17:17).
Essa profecia apresenta uma característica histórica notável: a centralização do poder. A Europa Ocidental, fragmentada politicamente após a queda de Roma, era composta por tribos bárbaras que se autogovernavam. Essa descentralização tornava os povos vulneráveis a ataques e invasões. A solução encontrada foi a unificação desses povos sob uma autoridade comum. O Sacro Império Romano-Germânico surgiu como resposta a essa necessidade, cumprindo com precisão a profecia bíblica.
Diferentemente de impérios formados pela força militar, como os impérios assírio ou romano, o Sacro Império foi erguido sobre acordo político. Sua constituição se deu por meio de processos eleitorais, em que reis eram primeiramente eleitos em seus próprios territórios, para depois serem eleitos como imperadores. Esse processo evidencia o cumprimento profético da “mesma ideia” e da entrega do reino à “besta”, ou seja, à estrutura imperial, permitindo que “governassem juntamente com a besta por uma hora”.
Vamos a um pouco de história:
Um pretendente ao trono imperial deveria ser primeiramente eleito como Rei dos Romanos. Esse costume remonta ao século IX, quando os reis eram escolhidos pelos líderes das cinco tribos germânicas mais influentes: os francos sálios da Lorena, os francos ripuários da Francônia, os saxões, os bávaros e os suábios. Com o tempo, esse processo passou para as mãos dos principais duques e bispos do reino, e mais tarde foi formalizado por um colégio de príncipes-eleitores.
Esse colégio eleitoral foi oficialmente estabelecido em 1356, pelo Rei da Boêmia, Carlos IV, por meio do famoso decreto conhecido como Bula Dourada. Inicialmente, sete eram os eleitores do imperador: o Conde Palatino do Reno; o Rei da Boêmia; o Duque da Saxônia; o Margrave de Brandemburgo; o Arcebispo de Colônia; o Arcebispo de Mainz; o Arcebispo de Trier. Durante a Guerra dos Trinta Anos, o Duque da Baviera também adquiriu direito de voto, tornando-se o oitavo eleitor.
Para garantir sua eleição, era comum que os candidatos ao trono oferecessem concessões de terras e somas de dinheiro aos eleitores — o que revela o caráter político e negociado da formação imperial.
Essa estrutura de consenso e centralização reflete diretamente a profecia: um sistema em que os reis abriram mão de sua autonomia, entregando seu poder à “besta”, símbolo do império centralizado, conforme determinado pelos desígnios de Deus.
Digressão 03: A Chave profética dos Sete Reis e do Oitavo Rei
Mais uma vez, no contexto histórico das eleições imperiais, encontramos a presença da chave profética dos sete reis e do oitavo rei. Esse padrão simbólico se repete na história do Sacro Império Romano-Germânico. O número sete aparece com frequência como representação de completude e ordem divina, sendo aplicado aqui aos sete príncipes-eleitores formalmente instituídos pela Bula Dourada de 1356.
Haviam sete reis eleitores e durante a Guerra dos Trinta Anos foi acrescentado um oitavo: o Duque da Baviera, configurando assim, num segundo plano, o cumprimento simbólico do oitavo rei que “é dos sete”.
Assim, a chave profética dos sete reis e do oitavo se manifesta também nesse momento decisivo da história europeia, onde a formação de um império depende de acordos entre príncipes e da centralização do poder em uma figura simbólica — o imperador.
Os dez reis lutaram contra o Cordeiro
Esses reis fizeram guerra contra o Cordeiro. “Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com ele, chamados, e eleitos, e fiéis.” (Apocalipse 17:14)
Essa parte da profecia tem sido difícil para muitos intérpretes. A dificuldade surge, primeiramente, da má compreensão sobre quem são esses dez reis, e, em seguida, do uso do verbo no futuro. Muitos estudiosos não conseguem conceber que essa profecia já se cumpriu no passado, pois interpretam o tempo verbal apenas como indicativo de algo ainda por vir. No entanto, não é necessário entendê-lo dessa forma.
Já demonstramos, com fartas evidências históricas, que esses “dez reis” se referem a dez reinos existentes no Sacro Império Romano. Assim, temos, desde o início desse Império até sua dissolução em 1806, o período necessário para identificar a luta contra o Cordeiro. O verbo “combaterão” está no futuro, mas esse futuro é relativo ao momento em que eles recebem o reino, e não ao nosso tempo presente. Devemos lembrar do que já dissemos anteriormente: a destruição da besta implica na destruição de seu corpo, cabeça e chifres. A profecia indica claramente que a besta “vai à destruição”, e não que algo dela sobrevive para um cumprimento ainda futuro.
É importante entender que tipo de luta é essa. A igreja é o corpo (místico) de Cristo, conforme Efésios 1:22-23. O Cordeiro, em Apocalipse 17, é uma simbologia desse corpo. Em outros momentos, o Cordeiro também aparece no Apocalipse, como no capítulo 14:1, onde Ele está com os 144 mil em pé sobre o Monte Sião. Esses representam os primeiros conversos à igreja. No capítulo 17, o Cordeiro refere-se aos cristãos da Idade Média, que enfrentaram oposição e perseguição. Há ainda outras passagens no Apocalipse que mencionam vitórias do povo de Deus, denotando uma guerra espiritual em andamento: Apocalipse 12:11: venceram o dragão; 15:2: venceram a besta; 17:14: venceram a besta e os reis. Essas referências certamente não se tratam de batalhas físicas ou militares, mas sim de lutas espirituais travadas no campo da fé.
Essa batalha foi travada pela verdadeira igreja de Cristo durante a Idade Média. Identificar quem era e onde estava essa verdadeira igreja nesse período não é tarefa simples. O Apocalipse afirma que ela estava no deserto — simbolicamente afastada da convivência comum —, preservada por Deus e fora do alcance da serpente. Portanto, era invisível aos olhos da sociedade. No entanto, os registros históricos revelam a fúria dos reis contra essa igreja — que, profeticamente, é uma guerra contra o próprio Cordeiro.
As perseguições foram, em sua essência, doutrinárias. Elas partiam da igreja dominante, estabelecida na “grande cidade que reina sobre os reis da terra”. Em resumo, essas doutrinas deveriam ser aceitas por todos os que viviam dentro das fronteiras do Sacro Império. Quem não as aceitasse deveria abandonar o reino; caso permanecesse e resistisse à conversão, seria condenado à morte.
As perseguições atingiram os Bogomilos, depois os Valdenses, e, por fim, os Albigenses. Esse período de opressão se estende aproximadamente do século XI ao XIV. Não se pode afirmar com certeza que esses grupos correspondiam plenamente à igreja de Cristo, mas é inegável que pessoas fiéis a Cristo estavam entre eles e influenciaram as decisões de oposição ao catolicismo. De certa forma, esses fiéis foram alvos indiretos das Cruzadas e das Inquisições. O Cordeiro foi atingido na luta, mas Ele, e os fiéis que estavam com Ele, saíram vitoriosos.
Essa vitória se consagra no avanço do evangelho pelo mundo, especialmente impulsionado pela Reforma Protestante, que enfraqueceu o ímpeto católico de uniformização religiosa. A Reforma representou a vitória de Cristo e de seus eleitos, e o começo de um novo tempo para a proclamação da verdade.
Os dez reis destroem a prostituta católica
Com o avanço do evangelho — representando a derrota dos reis em impor o catolicismo — os dez reis se voltaram contra a Igreja Católica. A profecia diz que eles “odiarão a prostituta, e a deixarão desolada e nua, e comerão a sua carne, e a queimarão no fogo.” (Apocalipse 17:16)
Aqui temos uma linguagem simbólica. “Odiar, desolar, comer as suas carnes e queimá-la no fogo” representam a tomada de uma postura hostil contra a “mulher”. Por exemplo, “comer a sua carne” significa tomar seus bens, enquanto “queimar no fogo” simboliza superá-la em conhecimento, resultando numa nova postura cultural.
Ao lermos Ezequiel 37:1–14, encontramos a visão do vale de ossos secos: ossos espalhados se unem, recebem carne e formam um corpo. A profecia de Apocalipse 17 usa simbologia oposta. Enquanto em Ezequiel há a formação de um corpo — que pode ser interpretado como a restauração do povo de Israel em sua terra — em Apocalipse, a mulher perde sua carne, simbolizando a perda do poder da Igreja Católica com a retirada de suas terras pelos reis europeus. Seu domínio, que chegou a abranger um terço das terras da Europa, reduziu-se ao que hoje conhecemos como Estado do Vaticano. Assim se cumpre o simbolismo: “comer a carne” da mulher é tomar-lhe os territórios.
Quanto a “queimá-la no fogo”, podemos recorrer ao Salmo 39:1-3 para lançar luz sobre essa metáfora. Essa passagem descreve o conhecimento como um fogo que se acende. Foi isso que ocorreu na Alta Idade Média. A Europa era composta majoritariamente por povos analfabetos — até mesmo imperadores não sabiam ler. Mas reformas educacionais — que deram origem às universidades — revolucionaram a cultura europeia. O povo saiu das trevas da ignorância para a luz do conhecimento. Com isso, passou a entender a situação de servidão e humilhação imposta pela Igreja. Isso provocou uma revolta generalizada que levou muitos reinos a se desvincularem da religião dominante.
Resumindo: durante a Alta Idade Média, a Igreja estatal se aproveitou da ignorância do povo para dominar reis e nações. Desde 533 d.C., quando Justiniano reconheceu o bispo de Roma como chefe da Igreja, o papado cresceu em poder e riquezas, graças, principalmente, às constantes doações de terras feitas pelos senhores feudais. A Igreja chegou a possuir cerca de 1/3 das terras da Europa. Com o monopólio do conhecimento, ocupava quase todas as funções da administração pública. A Igreja se tornou senhora de tudo.
Mas bastou que os homens adquirissem um pouco de conhecimento para que seu domínio ruísse. A história mostra que, após cerca de 250 anos de supremacia papal, por volta dos anos 1300–1400, os povos europeus começaram a se libertar do poder da Igreja, retomaram terras anteriormente doadas e a superaram em conhecimento. Esse processo se estendeu por séculos, culminando no fim do poder papal na Revolução Francesa.
Os principais movimentos que contribuíram para esse processo foram: o Renascimento, que promoveu profundas transformações literárias, artísticas e científicas; o surgimento das universidades; e, finalmente, o Iluminismo, a era do conhecimento, que abriu os olhos da população para os abusos do domínio religioso da Igreja. Todos esses eventos contribuíram para o colapso do domínio papal.
Fim da primeira parte
Até o momento, esclarecemos os detalhes da profecia referentes à besta, às suas cabeças e a seus chifres. Agora, vamos nos dedicar ao mistério da mulher. Contudo, esta parte está em processo de redação. Brevemente publicaremos esta parte como continuidade deste texto.
[1] Fontes utilizadas neste texto: Wikipedia, World History Encyclopedia, InfoEscola e Toda Matéria.