E vi um grande trono branco, e o que estava assentado sobre ele, de cuja presença fugiu a terra e o céu; e não se achou lugar para eles. E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante de Deus, e abriram-se os livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. (Apocalipse 20:11-12)
Sempre gosto de fazer estudos com profundidade para não incorrer na necessidade de rever a posição. Sei, porém, que este método pode custar muito caro, no sentido de retardar o avanço do conhecimento sobre o assunto, pois ao se divulgar ideias, mesmo que vagas sobre um determinado tema, abre-se oportunidade para que outros, com mais tempo e, talvez, conhecimento possam aprofundá-lo. Por isso, resolvi falar sobre o tema proposto na forma de um ensaio, pois neste tipo de apresentação não tenho o compromisso de fazê-lo com todas as provas a meu favor.
Muito se tem falado sobre o grande juízo do trono branco de Apocalipse 20:11-12. A imagem que a maioria das pessoas faz sobre o tema é que num determinado momento todas as pessoas que viveram em todas as épocas ressurgirão e serão julgadas por causa de suas obras pecaminosas e condenadas para sempre, numa espécie de juízo semelhante aos tribunais humanos. Será exatamente isso? Vejamos a profecia.
Os elementos simbólicos são: o trono branco, um sentado sobre ele, mortos de todas as categorias, livros que se abrem e outro livro, que é o da vida. A relação entre estes elementos são: o julgamento dos mortos pelas coisas escritas nos livros comparadas às suas obras. O tempo do acontecimento será no final do período de mil anos. Precisamente depois da destruição de satanás (v.10).
O principal erro de entendimento que tenho percebido em minhas discussões sobre o assunto é o fato de os interpretes misturarem os versos 11 e 12 com o verso 13. A cronologia profética, assim como o contexto, deve ser respeitada. Apesar do verso 13 estar no contexto, o julgamento ali citado não é o mesmo dos versos anteriores. São eventos diferentes.
Vamos diferenciá-los bem. O primeiro julgamento se refere ao período de plena paz no governo do Senhor Jesus. O segundo refere-se ao julgamento de todos os ímpios mortos desde a fundação do mundo. Um julgamento se refere a pessoas que estão em “pé diante do trono” (v.11-12), o outro a pessoas que ressuscitarão: “deu o mar os mortos” e a “morte e o inferno deram seus mortos” (v.13). O primeiro acontece com base nas coisas escritas nos livros comparadas às obras, enquanto o outro tem como base apenas as obras.
A dificuldade de muitos em diferenciar estes julgamentos está no emprego da palavra “mortos”[1], que possivelmente é usada de modo simbólico nos versos 11 e 12. Mais um detalhe nos lança luz sobre o assunto. Estes mortos são “grandes e pequenos” o que quer dizer que estão subcategorizados, isto é, eles se distinguem entre si. Com isso podemos entender que se trata de pessoas vivas, isto é, mortais, não daquelas que estão no pó da terra, pois estas só aparecem no verso 13. Esta subcategorização indica que se trata da própria sociedade como ela é hoje, ou como será no final do milênio, hierarquizada entre governantes e governados, “pequenos e grandes”.
Outro detalhe é que há traduções diferentes. Umas dizem que estão em pé “diante do trono”, outras, em pé “diante de Deus”, isto é mais um indício de que se trata de pessoas vivas não de mortas. Se comparamos com outra passagem de Apocalipse podemos encontrar mais sentido. Em Apocalipse 15:2 o povo santo, vitorioso sobre a besta, está em pé diante do mar de vidro. Estar em pé é estar vivo, vitorioso. Estes “mortos” (=mortais) venceram a última sedução de satanás (v.7-10). Agora, elas são julgadas, isto é, governadas num período de intensa paz no final do milênio, quando restará apenas a morte, como último inimigo a ser destruído e as pessoas não mais correrão o risco de serem seduzidas por satanás. Tudo indica que estes “mortos” dos versos 11 e 12 não são os “mortos” do verso 13. Portanto, tratamos de dois tipos de julgamento.
Mais alguns raciocínios melhoram nosso entendimento ao analisarmos o sentido simbólico do “trono branco”, dos “livros” e o contexto da narrativa profética. “Trono” está relacionado ao rei e seu governo e o “branco” à paz. Assim temos um Rei, nos caso o Senhor Jesus, reinando sobre pessoas mortais (“mortos”) num período de plena paz. Os “livros” serão usados para aplicar o julgamento, não um julgmento num tribunal, mas um julgmento de rei, governo. Reis são juízes. O sentido simbólico dos “livros” é a representação de todas as normas e leis que serão elaboradas pelo Rei que está sentado no “trono branco”. Durante o período milenial, Jesus elevará o nível do comportamento humano, ensinando as nações a viverem um padrão muito mais elevado de vida. Este padrão será regulado por regras, normas, leis e estatutos criados sob o governo de Cristo, que serão registradas em livros. Estes “livros” serão como as constituições federais de hoje. As constituições federais são livros de obras. Nelas estão escritos as coisas que os homens devem praticar. Os “livros” que serão abertos no dia do julgamento do trono branco representam as leis, normas, regras etc., que, no momento, final do milênio, farão parte do modo de vida dos homens. As pessoas serão governadas (julgadas) pelas coisas escritas nos “livros”, as constituições, ou as normas de vida do homem do final do milênio. Se não viverem de acordo, então morrerão, como reza o verso 15.
Após um determinado período de governo baseado no que há de mais justo que o homem tenha conhecido durante sua existência, pois como diz a profecia, os céus e a terra fugiram de sua presença, virá o julgamento final, quando o “mar”, a “morte” e o “hades” darão seus mortos. Como disse acima, este julgamento está baseado apenas nas obras das pessoas, não mais nos livros. E por quê? Porque não se trata de julgar as pessoas de acordo a normas de um governo, mas de acordo com a sua própria conduta. Nisto há justiça de Deus, pois cada pessoa deverá ser julgada de acordo com a consciência de certo e errado que adquiriu em sua época de vida. Não seria justo julgar aqueles que viveram antes Moisés como se estivessem vivido depois da lei. Julgar aqueles que viveram antes de Cristo como se estivessem vividos depois de seus ensinos. Muito menos julgá-los pelas leis que serão estabelecidas no período do “trono branco”. Cada geração será julgada de acordo com o grau de consciência adquirida em sua geração. Os que sem lei pecaram, sem lei perecerão, os que com a lei pecaram, pela lei serão julgados (Romanos 2:12). Este julgamento do verso 13 não se trata mais de governar, mas praticar a justiça contra aqueles que não se enquadraram às normas do reino do trono branco, como contra aqueles que viveram em todas as épocas e não seguiram o entendimento de certo e errado adquirido em seu tempo de vida. Serão julgados e lançados no “lago de fogo”, a “segunda morte”. Todos os que não tem seus nomes no “livro da vida” (v.15).
Em Isaías 2:1-4 e 11:1-7 lemos que é de Jerusalém e do Senhor que vêm a lei. Durante mil anos, e, por fim, durante o reinado do trono branco, Jesus, respresentando o “verbo de Deus” (Apocalipse 19:13-16) terá acumulado tudo o que há de melhor que servirá como regra do bom viver de todos os homens. O próprio Cordeiro terá um livro: “E não entrará nela coisa alguma que contamine, e cometa abominação e mentira; mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro.” (Apocalipse 21:27) A nova Jerusalém, nova cidade, é representação de um novo viver do homem. Nova cidadania, agora, celestial. O livro do Cordeiro é a representação desta cidadania. Ter seu nome escrito neste livro é estar vivendo de acordo com as normas mais sublimes já alcançadas pelo homem. O livro do Cordeiro é a constituição da Nova Jerusalém.
O juízo do “trono branco”, v. 11 e 12, é, portanto, o período de governo de paz no final do milênio, enquanto que o “juízo” do verso 13 é o tribunal que sentencia a todos.
Por Edy Brilhador
[1] NOTA: uma pesquisa exegética no original grego poderá revelar um sentido mais apropriado para a tradução da palavra vertida para mortos. Ou mesmo podemos nos ater a seu sentido figurado de pessoas mortais, o que fecha com o contexto e encerra a discussão.
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