Desde 2008, a sociedade mundial vem passando por uma grande crise econômica que colocou o mundo em uma ciranda difícil de ser revertida. Ela teve início com os papéis subprime americanos e levou à bancarrota grandes empresas, como a General Motors, e poderosos bancos, como o Lehman Brothers. Como consequência, várias nações do mundo entraram em recessão. Uma aparente recuperação parecia à vista em 2009, mas não foi suficiente para recobrar os ânimos, pois os efeitos se manifestaram na Grécia e se espalharam pela Europa, revelando a instabilidade do continente. A única nação europeia que permaneceu firme foi a Alemanha. Terá ela alguma relação com as profecias dos tempos finais?
Todas as vezes que algum acontecimento de grande envergadura histórica toma conta da mídia, centenas de “profetas” se apresentam para anunciar o fim do mundo. Foi assim durante todo o século XX — nas guerras mundiais, nos anos obscuros da Guerra Fria e durante a crise do petróleo na década de 1970. O mesmo ocorreu na Guerra do Golfo, em 1991, e no ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Agora, repete-se o fenômeno em relação à crise econômica. Essas previsões, em geral, são fruto de uma incompreensão do fator histórico em relação à profecia.
Este artigo tem o propósito de apresentar uma interpretação sobre Apocalipse 17. Esse capítulo da Bíblia fala da batalha do Cordeiro contra os reis da Terra; porém, seu tema central é a destruição da “grande prostituta”. A maioria dos intérpretes situa o cumprimento dessa profecia no futuro. Será isso verdade? A resposta é não, pois aqueles que assim afirmam não consideram o fator histórico. As profecias foram distribuídas de forma linear ao longo do tempo. Quando bem considerada a relação entre a história e a profecia, chegamos facilmente à conclusão de que essa batalha já aconteceu.
Os dez reis de Apocalipse 17: Quem são? Qual a época em que lutaram contra o Cordeiro?
Há dois pensamentos entre os intérpretes sobre quem são esses dez reis. Os futuristas afirmam tratar-se de dez nações que formarão um bloco político e, assim, originarão a besta que imporá seu sinal aos homens. Já os historicistas dizem que se referem aos antigos reinos bárbaros, hoje representados nas nações da União Europeia. Haverá razoabilidade nisso? Vamos entender a profecia.
“E veio um dos sete anjos que tinham as sete taças, e falou comigo, dizendo-me: Vem, mostrar-te-ei a condenação da grande prostituta que está assentada sobre muitas águas; com a qual se prostituíram os reis da terra, e os que habitam na terra se embebedaram com o vinho da sua prostituição.”
Este capítulo tem um tema bem definido: a destruição da “grande prostituta”, que ocorre com o derramar das sete pragas. Essa “mulher” representa a religião que dominou os reis e as pessoas com sua doutrina universal. Os outros atores envolvidos são: a besta de sete cabeças e dez chifres, a taça de ouro, os santos e o Cordeiro. Vejamos:
“E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher assentada sobre uma besta de cor de escarlata, que estava cheia de nomes de blasfêmia e tinha sete cabeças e dez chifres. E a mulher estava vestida de púrpura e de escarlata, e adornada com ouro, pedras preciosas e pérolas; e tinha na sua mão um cálice de ouro cheio das abominações e da imundícia da sua prostituição. E na sua testa estava escrito o nome: Mistério, a grande Babilônia, a mãe das prostituições e abominações da terra. E vi que a mulher estava embriagada do sangue dos santos e do sangue das testemunhas de Jesus. E, vendo-a eu, maravilhei-me com grande admiração.”
O contexto mostra a mulher montada na besta, ou seja, dominando-a;
ela está vestida de ouro, púrpura, joias e pedras preciosas — o que representa sua riqueza e luxúria;
o cálice de ouro, com suas abominações, representa sua doutrina;
seu nome “grande Babilônia” simboliza a autoridade de uma religião com falsas doutrinas;
a embriaguez com o sangue dos santos e das testemunhas de Jesus representa a promoção de perseguições religiosas contra os verdadeiros filhos de Deus e contra todos os que testemunhavam dEle.
A interpretação é dada pelo anjo:
“A besta que viste foi e já não é, e há de subir do abismo, e irá à perdição; e os que habitam na terra (cujos nomes não estão escritos no livro da vida, desde a fundação do mundo) se admirarão, vendo a besta que era e já não é, mas que virá. Aqui está o sentido que tem sabedoria: as sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada. E são também sete reis; cinco já caíram, e um existe; outro ainda não é vindo; e, quando vier, convém que dure um pouco de tempo. E a besta que era e já não é, é ela também o oitavo, e é dos sete, e vai à perdição. E os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão poder como reis por uma hora, juntamente com a besta. Estes têm um mesmo intento e entregarão o seu poder e autoridade à besta. Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com Ele, chamados, e eleitos, e fiéis. E disse-me: As águas que viste, onde se assenta a prostituta, são povos, multidões, nações e línguas. E os dez chifres que viste na besta são os que odiarão a prostituta, e a deixarão desolada e nua, e comerão a sua carne, e a queimarão no fogo. Porque Deus tem posto em seus corações que cumpram o seu intento, e tenham uma mesma ideia, e deem à besta o seu reino, até que se cumpram as palavras de Deus. E a mulher que viste é a grande cidade que reina sobre os reis da terra.”
A explicação do anjo cria um esquema histórico que abarca sete reinos que oprimiram o povo de Deus: Egito, Assíria, Babilônia, Média-Pérsia, Grécia, Roma e o Sacro Império Romano. Cinco reinos existiram antes do apóstolo João; um existia quando ele escreveu o Apocalipse — Roma; e depois de Roma viria o sétimo, que deveria durar pouco tempo: o Sacro Império Romano.
De antemão, é bom entender que a história do Sacro Império Romano se divide em duas partes: o Império Franco (800–843) e o Império Germânico (962–1806).
“A besta que viste foi e já não é, e há de subir do abismo, e irá à perdição” (v. 8).
Essa referência à besta aparece duas vezes em Apocalipse 17: nos versículos 8 e 11, e acrescenta:
“A besta que era e já não é, é ela também o oitavo, e é dos sete, e vai à perdição.” (v. 11)
Não se trata de simples repetição, mas de sentido histórico. Duas vezes Roma ressurgiu, e duas vezes foi à “perdição”. Roma “era” até 476; “já não é” de 476 até 800, quando subiu do “abismo” na figura do Império Franco e “foi à perdição” 43 anos depois. Isso cumpre o verso 8. O verso 11 se cumpre entre a queda do Império Franco e seu ressurgimento como Império Germânico em 962, para novamente ir à “perdição” em 1806.
Vamos à história:
“No dia do Natal, em 800, o Papa Leão III coroou Carlos como “imperador dos romanos” em Roma numa cerimônia apresentada como se fosse uma surpresa (Carlos Magno não desejava ficar em dívida com o bispo de Roma), um jogada papal adicional numa série de gestos simbólicos que vinham definindo os papéis mútuos da auctoritas papal e da potestas imperial. Embora Carlos Magno, em respeito ao ultraje bizantino, preferiu o título “Imperador, rei dos francos e dos lombardos”, a cerimônia reconheceu formalmente o império franco como sucessor do romano (ocidental) (embora apenas a “doação” forjada dava ao papa autoridade política para fazer isso). Depois de um protesto inicial quanto a usurpação, em 812, o imperador bizantino Miguel I Rangabe reconheceu Carlos Magno como co-imperador. A coroação deu a legitimidade a primazia carolíngia entre os francos. Os otonianos mais tarde ressuscitaram essa conexão em 962,” (Wikipedia, Francos)
“Com a morte de Carlos Magno em 28 de janeiro de 814 em Aachen, ele foi enterrado em sua própria Capela do Palácio em Aachen. Carlos Magno teve vários filhos, mas apenas um sobreviveu a ele. Esse filho, Luís o Pio, sucedeu ao pai como governante de um império unido. Mas herança total permaneceu uma questão de acaso, em vez de intenção. Quando Luís morreu em 840, os carolíngios aderiram ao costume de partilhar a herança, e o Tratado de Verdun em 843 dividiu o império em três: O filho sobrevivente mais velho de Luís, Lotário se tornou imperador e governante dos francos centrais. […] O segundo filho de Luís, Luís, o Germano, se tornou rei dos francos orientais. Essa área formou o núcleo do mais tarde Sacro Império Romano, que eventualmente evoluiu para se tornar a Alemanha moderna. […]. Seu terceiro filho Carlos, o Calvo se tornou rei dos francos ocidentais; essa área se tornou a fundação da França. (Wikipedia, Sacro Império Romano-Germânico)
Embora Carlos Magno seja considerado o primeiro Sacro Imperador Romano, coroado em 25 de dezembro de 800, a linha contínua de imperadores começou apenas com Oto o Grande em 962. O último imperador foi Francisco II, que abdicou e dissolveu o império em 1806 durante as Guerras Napoleônicas. A partir do século XV, este Estado era conhecido oficialmente como o Sacro Império Romano da Nação Germânica. (Wikipedia, Francos)
Por esses depoimentos, percebemos duas ressurreições do Império Romano: primeiro como Império Franco, depois como Império Germânico. Duas ressurreições e duas quedas, cumprindo os versículos 8 e 11. Assim também se entende por que a besta era o oitavo rei e havia sido um dos sete: o sétimo rei como Império Franco e o oitavo como Império Germânico. Juntos, esses dois reinos foram, por todos os historiadores, conceituados como o Sacro Império Romano — isto é, o sétimo e o oitavo sendo um só.
Retomando a explicação, o anjo diz que os dez reis receberam poder por uma hora e o entregaram à besta:
“E os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão poder como reis por uma hora, juntamente com a besta. Estes têm um mesmo intento e entregarão o seu poder e autoridade à besta.” (Ap 17:12–13)
Nessa parte da profecia, várias expressões indicam que o poder dos dez reis está submetido à besta, tais como: “ainda não receberam o reino”, “receberão poder como reis por uma hora”, “juntamente com a besta” e “entregarão o seu poder e autoridade à besta”. Esses reis não comandam seus próprios reinos. Quando recebem o poder, não conseguem reinar por muito tempo; e, quando reinam, é com o apoio da besta, pois entregaram a ela sua autoridade.
O versículo 17 reforça essa interpretação:
“Porque Deus tem posto em seus corações que cumpram o seu intento, e tenham uma mesma ideia, e deem à besta o seu reino, até que se cumpram as palavras de Deus.”
Esses reis faziam parte do Sacro Império Romano: Boêmia, Baviera, Lorena, Suábia, Áustria, Itália, Francônia, Borgonha, Provença e Saxônia. Ter a “mesma ideia” e “entregar o reino à besta” significa que os reis concordaram em abrir mão do poder para um governo central. E a expressão “uma hora” tem sentido de tempo indeterminado. Assim foi na história — esses reinos pertenceram ao Sacro Império, mas por períodos variados, ora fazendo parte dele, ora não.
Um pretendente a imperador deveria primeiramente ser eleito como Rei dos Romanos. Reis eram eleitos desde tempos antigos: no século IX, pelos líderes das cinco tribos mais importantes — os francos sálios da Lorena, os francos ripuários da Francônia, os saxões, os bávaros e os suábios; depois, pelos principais duques e bispos do reino; e, finalmente, apenas pelo príncipe-eleitor. Esse colégio eleitoral foi formalmente estabelecido em 1356 pelo rei da Boêmia, Carlos IV, através do decreto conhecido como Bula Dourada. Inicialmente, havia apenas sete eleitores: o conde palatino do Reno, o rei da Boêmia, o duque da Saxônia, o margrave de Brandemburgo e os arcebispos de Colônia, Mainz e Trier. Durante a Guerra dos Trinta Anos, o duque da Baviera ganhou o direito ao voto como oitavo eleitor. Esperava-se de um candidato à eleição que oferecesse concessões de terras e dinheiro aos eleitores, a fim de assegurar seus votos. (Wikipedia, Sacro Império Romano-Germânico)
Esses reis fizeram guerra contra o Cordeiro: “Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com ele, chamados, e eleitos, e fiéis.” A Igreja é o corpo místico de Cristo (o Cordeiro) — Efésios 1:22,23. Essa batalha é contra a Igreja da Idade Média. Situar quem era e onde estava a verdadeira Igreja nesse período não é tarefa fácil. O Apocalipse diz que ela estava no deserto, preservada por Deus, longe da vista da serpente. Portanto, seu paradeiro era desconhecido da sociedade. Mas, de forma indireta, os registros históricos confirmam a fúria dos reis contra a Igreja e, consequentemente, contra o Cordeiro. As primeiras perseguições foram contra os Bogomilos, depois contra os Valdenses e, por fim, contra os Albigenses. A época dessas perseguições cobre um período que vai de meados do século XI ao século XIV. Não é possível identificar diretamente esses povos com a Igreja de Cristo; todavia, não há dúvida de que a Igreja estava infiltrada entre eles e os influenciou na mensagem de protesto que proclamaram. Assim, acabou tornando-se alvo indireto das Cruzadas e das Inquisições. O avanço do evangelho, a partir de então, representou a vitória de Cristo e de seus eleitos.
Depois da derrota, os dez reis “odiarão a prostituta, e a colocarão desolada e nua, e comerão a sua carne, e a queimarão no fogo.” (Ap 17:17) Aqui temos simbolismos que não são difíceis de entender. Odiar, desolar, comer suas carnes e queimá-la no fogo significam uma tomada de posição dos “dez reis” contra a “mulher”. Por exemplo, “comerão suas carnes” quer dizer que tomarão seus bens, e “queimarão no fogo” significa que a ultrapassarão em conhecimento. Ao lermos a profecia sobre o vale dos ossos secos em Ezequiel 37:1-14 e o Salmo 39:1-3, entendemos com certa facilidade esses simbolismos. Esta parte da profecia mostra que os reis agirão contra a “prostituta”, destruindo seu poder.
Durante a Alta Idade Média, a Igreja estatal se aproveitou da ignorância do povo para dominar reis e nações. Desde 533 d.C., quando Justiniano decretou o bispo de Roma como chefe da Igreja, esta não fez senão aumentar suas riquezas, principalmente devido às constantes doações de terras por parte dos senhores feudais. A Igreja chegou a possuir um terço das terras europeias. Além disso, o monopólio do conhecimento a fez ocupar quase todas as posições da administração pública. A Igreja se tornou senhora. Mas bastou que os homens adquirissem um pouco de conhecimento para que seu domínio ruísse. De fato, verifica-se pelas páginas da história que, após cerca de 250 anos de supremacia papal, a partir de 1300/1400, o povo europeu começou a se desvencilhar do poder da Igreja, retomar as terras que haviam sido doadas e superá-la em conhecimento. Esse processo durou séculos, culminando com o fim do poder papal na Revolução Francesa. Os principais fenômenos relacionados a esse processo são o Renascimento — que trouxe profundas transformações literárias, artísticas e científicas —, o surgimento das universidades e, por fim, o Iluminismo, a era do conhecimento, que definitivamente fez a população compreender os exageros do domínio religioso da Igreja. Todos esses acontecimentos contribuíram para o fim do domínio papal.
Para finalizar, os versos: “E disse-me: As águas que viste, onde se assenta a prostituta, são povos, e multidões, e nações, e línguas.” (Ap 17:15) “E a mulher que viste é a grande cidade que reina sobre os reis da terra.” (Ap 17:17) Esses versos referem-se ao tempo de cumprimento dessa profecia, quando a “mulher” (ICAR) dominava as nações. O auge desse domínio foi entre os séculos XI e XIV. Assim, como visto acima, Apocalipse 17 já é fato histórico, profecia cumprida. Os reis ali retratados não são nações futuras nem os povos bárbaros, mas os reinos, principados e ducados que formaram o Sacro Império Romano-Germânico. A batalha ali mencionada foi a luta entre o povo do evangelho eterno e os povos “seculares” da Alta Idade Média. Há de se entender, porém, que essa profecia continua nos capítulos 18 e 19, onde se registram fatos ainda por se cumprir. Deve-se compreender também que a influência da “mulher” persiste sobre as nações, ainda que não com a mesma supremacia de outrora.
Enfim, essa interpretação nos permite encontrar um elo entre o passado e o presente. A estrutura profética não deixa dúvidas quanto à sequência dos fatos. Cinco reis haviam caído no tempo do apóstolo João — Egito, Assíria, Babilônia, Média-Pérsia e Grécia; o sexto existia, Roma; e o sétimo viria, o Império Franco. Este era também o oitavo — o Império Germânico —, que era ainda a própria besta: o Império Romano.
A Alemanha de hoje não é aquela besta de Apocalipse 17, nem aqueles dez reis são os mesmos que hoje estão sob sua tutela econômica. Mas, sem dúvida, ela é um elo histórico com o Sacro Império Romano. Como líder, a Alemanha, junto com a Europa, desempenhará um papel importante no findar da história, especialmente na batalha do Armagedom, conforme a profecia de Apocalipse 19:19. A besta alemã persiste em reviver o Santo Império, mas será destruída, junto com o falso profeta, na vinda do Senhor Jesus.
Por: Edy Brilhador




