O julgamento de Jesus é o mais famoso processo jurídico/penal da história da humanidade. A forma como este julgamento ocorreu e os tramites que seguiu colocam em cheque a sua legalidade e se revela uma verdadeira conspiração contra a vida de Cristo. Jesus era odiado pelos poderosos porque pregava a libertação do povo contra o sistema opressor religioso que era uma distorção dos verdadeiros ensinos de Deus dado ao povo por Moisés.
A cada dia que se passava Jesus Cristo ganha novos seguidores e a simpatia do povo que o considerava um profeta vindo de Deus. Isso enfurecia os poderosos da época que temia o movimento de Jesus. O objetivo deste trabalho é expor os pontos principais do julgamento de Jesus de Nazaré que culminou em sentença capital apresentando, o contexto histórico, os relatos históricos e as configurações geopolíticas à época de seu julgamento.
As acusações à luz do Direito hebraico
Caifás, o sumo sacerdote nos tempos de Jesus, o acusou de crime capital baseado nas seguintes cláusulas. As principais acusações contra Jesus por efeito dos costumes e ordenamento judaicos foram: blasfêmia, profanar o sábado e ser um falso profeta. Nenhuma das acusações foram provadas pelo Sinédrio. Mesmo assim, ao final do julgamento, a sentença foi pela condenação por blasfêmia contra Deus.
Blasfêmia (Lucas 22:69-71)
O crime de blasfêmia constava do Misnah 7.5, quando da invocação do poder de Deus Yahweh para si. Jesus não praticou o crime de blasfêmia. O sumo sacerdote questiona a Jesus se ele não iria se defender das acusações. Ora, tanto no direito judaico quanto no romano, o réu não é obrigado a produzir provas contra si próprio.
Tinha o direito de permanecer em silêncio. Não havia nenhuma acusação, eles não conseguiram nada. O que poderia responder? Por isso o sumo sacerdote ficara tão nervoso e dá uma tacada final perguntando-lhe se era o Filho de Deus quando diz: “És tu, o Filho do Deus bendito?” (Lucas 22:70). Ele percebeu que as testemunhas não tinham conhecimento suficiente para elaborar uma pergunta mais sofisticada. Então, como um acusador e não um juiz, ele quebra outro protocolo, obrigando Jesus a se pronunciar.
Foram as afirmações de Jesus, de ser o Cristo e de que todos veriam o Filho do Homem sentado à direita de Deus Poderoso, que provocou a decisão da blasfêmia contra ele. Porém, segundo a lei judaica a segunda afirmação não caracterizaria a blasfêmia, pois não equivale a uma negação do princípio fundamental do monoteísmo, que não admitia outro ser divino além de Deus. Estar sentado ao lado de Deus é a afirmação de uma posição privilegiada, não se trata de afronta a unicidade de Deus. Nada havia, portanto, de tipificação criminal nas palavras de Jesus.
A confissão do réu não pode ser decisiva para condenação. Ela pode no máximo ser uma entre tantas outras provas, mas nunca fator decisivo. A jurisprudência judaica previa que o julgamento era com base no testemunho de no mínimo duas pessoas. No processo de julgamento judaico, não era necessário que o réu falasse porque era o confronto de testemunhas de defesa e acusação. A decisão/voto dos juízes só poderiam ser alteradas se fosse em benefício do réu, nunca ao contrário. A unanimidade tanto a favor ou contra o réu deveria ser sinônimo de absolvição porque pressupunha um complô contra o réu conforme a jurisprudência judaica.
Caifás comete outra irregularidade: Rasga suas vestes. Segundo a tradição judaica era proibido ao sumo sacerdote rasgas as suas vestes. Levítico 31:10. Caifás ainda não pede os votos dos demais juízes. Encena uma indignação (argumento do espantalho) com a declaração de Jesus e manipula a condenação do réu. A condenação forçada de Jesus então foi por blasfêmia que requeria pena de morte. Blasfêmia é: calúnia, difamação ou falso testemunho. Ironia, porque acusam Jesus de blasfêmia, mas o sinédrio era quem estava blasfemando. Spurgeon, num sermão pregado na manhã de domingo, 5 de fevereiro de 1882, no Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres, disse as seguintes palavras:
O condenaram por Sua própria boca: mas isto, ainda que tivesse uma aparência de justiça, era realmente injusto. Diante do tribunal, o prisioneiro afirmou que Ele é o Filho de Deus. Qual é o problema? Por acaso não pode estar dizendo a verdade? Se for verdade, Ele não deve ser condenado e sim, adorado. A justiça requer que se faça um interrogatório para verificar se é o Cristo, o Filho do Bendito, ou não. Ele reclamou ser o Messias. Muito bem, todos os que estão na corte, estão esperando o Messias; alguns deles esperam que apareça logo. Não poderia ser este
o enviado do Senhor? Que se faça um interrogatório de seus argumentos. Qual é sua linhagem? Onde nasceu? Algum dos profetas o confirmou? Fez milagres? Algumas dessas perguntas são devidas a qualquer homem cuja vida esteja em jogo. (SPURGEON, 1882).
Profanar no sábado
Jesus também foi acusado de profanar no sábado – data sagrada para os judeus –, conforme registrado em João 7:23; e mesmo se de fato tivesse ele cometido tal crime, a pena não era a morte, e sim, pena de prisão de sete anos. A lei que regulava o sábado era a Mishnah Sabbat VII 2, que impunha diversas recomendações referentes ao cotidiano do dia considerado sagrado, as atividades eram reduzidas ao mínimo e haviam muitas proibições. Quem as violasse era exemplarmente punido para manter a ordem social. Jesus curou no sábado. Este ato não estava tipificado entre os 39 preceitos da lei, não era crime conforme o Direito Hebraico.
Ser um falso profeta (Lucas 22:1-2).
Outra acusação contra Jesus era de ser um falso profeta, o que era considerado crime no Direito Hebraico. O falso profeta seria assim considerado, aquele que proclamava profecias e as mesmas não se cumpriam. Durante o julgamento perante o Sinédrio, Caifás afirmou que, segundo Thomas (2013, p.222), “Jesus explorava cinicamente as massas com um ensino novo e perigoso, que mascarava uma conspiração para desestabilizar a nação – e talvez até mesmo destruí-la”.
As acusações à luz do Direito romano
Depois de condenado pelo Sinédrio, Jesus foi levado ao Governador de Roma na Judeia, Pilatos. O julgamento na esfera romana foi realizado no praetorium e, enquanto durou, a multidão esperava no pátio em frente ao Palácio. Pilatos recebeu Jesus usando suas vestes de governador sobre a toga. Ele agiria como promotor e juiz, o julgamento final pertencia exclusivamente a ele. O governador dispunha do Direito Romano e lavou suas mãos ante a condenação de Jesus Cristo. Mas a opinião pública fazia questão da execução. Assim como o primeiro julgamento, este também foi covarde e sem os trâmites legais requeridos. As acusações religiosas que o Sinédrio apresentou contra Jesus de nada valiam perante o governador romano, visto que não violavam o direito romano, somente o direito dentro do Templo, caso fossem verídicas. Novas acusações eram necessárias: acusações políticas. Zagrebelsky, assim relata:
Mas aos membros do Sinédrio era necessário o envolvimento de Pilatos, seja porque eles não tinham o poder de mandar Jesus à morte, seja porque para eles o aval da autoridade romana fosse essencial por motivos de política interna por causa do temor de uma rebelião em ocasião da Páscoa. A aliança com a força romana era indispensável em ambos os casos. Portanto, para este fim, era necessário uma acusação diferente, que deslocasse o assunto do plano teológico para um plano político, relevante para os romanos. Assim, Jesus foi acusado de ter instigado o povo à
revolta incitando-o a não pagar tributos a Cesar, e de ter-se, ele mesmo, proclamado rei: era um crimenlaesae majestati. (2011, p. 85).
Incitar o povo a não pagar impostos a César (Lucas 23:1-2; 5; 13-17).
A mais grave acusação política contra Jesus, incitar o povo contra o Império consistia no crime de perduellio, delito contra a segurança do Estado ou a ordem pública que estava preconizado na Lei das XII Tábuas. Como a passagem bíblica em Lucas (20:20-26) relata, Jesus não incitou o povo a não pagar impostos, ele reconhece na moeda romana a face do Imperador e orienta que a cada rei seja dado que lhe é devido: “Ο δε είπε προς αυτούς· Απόδοτε λοιπόν τα του Καίσαρος εις τον Καίσαρα και τα του Θεού εις τον Θεόν”. / “Deem ao Imperador o que é do Imperador e deem a Deus o que é de Deus”.
Declarar-se Rei (Lucas 23:3)
A pretensão de Jesus em ser o “Rei dos Judeus”, o que configurava em crimen laesae majestatis, aparenta ser a razão alcançada pelo direito romano, corrompido neste julgamento, para a execução de Jesus. Tanto que foi exposta acima de sua cruz a inscrição da acusação em hebraico, latim e grego: “Rei dos Judeus.” (Lucas 23:38).
היהודים מלך זהו / HEBRAICIS HIC EST REX IUDAEORUM / ΟΎΤΟΣ ΕΣΤΊΝ Ο ΒΑΣΙΛΕΎΣ ΤΩΝ ΙΟΥΔΑΊΩ
Esta acusação, se provada, seria traição e era mais grave do que a de blasfêmia sob a lei judaica. Envolvia Jesus em uma grave ofensa política de ter se colocado diretamente acima do Imperador. Jesus não se declarou rei frente a qualquer Império terreno, ao Império de César ou romano.
Crime de sedição (Lucas 23:5)
Crime contra a segurança do Estado, sublevação, ato de rebelião, conspiração contra o Imperador, era um crime punido com morte. Jesus foi acusado de ter iniciado seu “levante” pela Galileia até chegar em Jerusalém. O Evangelho de Lucas (23:5) relata a acusação do grupo de judeus que o prendeu perante Pilatos: “[…] – Ele está causando desordem entre o povo em toda Judeia. Ele começou na Galileia e agora chegou aqui”.Todas estas ilegalidades aconteceram porque os assassinos de Jesus, mais ou menos há quatro semanas antes da festa da páscoa, resolveram matá-lo e então começaram a buscar algum motivo para tal, (Lucas 19:47). O motivo do julgamento não era fazer justiça, mas eliminar a vida de Jesus. Havia também um temor por parte do Sinédrio, porque Roma lhes conferiu autoridade para manter a ordem. Se o movimento de Jesus chegasse a Roma, o Sinédrio sofreria sanções por parte do Imperador.
Conclusão
Jesus Cristo é o mais importante personagem da história humana. Sua história e seu ministério impactou o mundo de tal maneira que sua memória será para sempre. O seu julgamento, fraudado, ilegal e amplamente irregular, foi um grande símbolo da perversidade humana face a aparição de Deus. Deus veio em Jesus, mas o homem resolveu matá-lo. Foi condenado inocente, pagou pelos pecados da humanidade numa vergonhosa cruz. Pelo seu sacrifício vicário, hoje a salvação está disponível aos homens. Sabe-se que não existe sistema jurídico perfeito no mundo porque tanto o sistema jurídico judeu quanto o romano provaram que ainda que se busque a justiça e a retidão, a corrupção já se instalou em todas as instancias da sociedade e está em metástase. O julgamento de Jesus foi a prova de que os poderosos podem sim controlar os poderes instituídos e condenar um inocente as expensas da lei.
Que o ato do Senhor em se entregar pela humanidade seja motivo de louvor e adoração nos lábios de todos! A Ele a glória, amem!
Fonte: Gospel Prime
Texto de Breno Silveira, Teólogo, pós-graduado em História e Geografia. Coordenador do Curso de Teologia da Faculdade Batista de Minas Gerais e do Colégio Batista Mineiro em Belo Horizonte.