Talvez, o texto de Filipenses poderia ser considerado a prova mais contundente de que Jesus é Deus. Porém, isto não é possível. Não é possível porque o texto não afirma que Jesus é Deus, pelo contrário, afirma que Jesus é homem. Apenas impressões, ou concepções antecipadas podem fazer as pessoas verem Jesus como Deus neste texto.
Nunca devemos ler um texto fora de seu contexto. Para cumprir com tal regra devemos subordinar a ideia que fazemos ao ler um texto à ideia imediatamente anterior. Assim, o texto de Filipenses 2:5-8 não deve fugir do tema proposto nos versos 1 a 5.
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.(Filipenses 2:5-8)
Os adeptos da cristologia tradicional afirmam que este texto está mostrando que Jesus deixou o seu status de Deus junto ao Pai e se tornou um homem. Não é isso! O texto, quando lemos na versão da Sociedade Bíblica Britânica, diz: “o qual, subsistindo em forma de Deus, (Filipenses 2:6). As versões tendenciosas para a Trindade chegam a dizer “sendo Deus”. Isto está completamente fora do contexto. Para não dizer que tais tradutores estão achando que os críticos não percebem tal afronta contra a hermenêutica. Neste texto, que devemos ler desde o verso 1, o contexto mostra Jesus como um homem, que subsistia na “forma de Deus”, não que existia como Deus. Aqui se trata de um homem semelhante a um Deus, não um Deus se tornando homem.
De acordo com a teologia trinitariana, seria um Deus assumindo a substância humana. Porém, o texto não aponta para um homem. O alvo do texto é o comportamento de um servo. Jesus é um homem “que, sendo em forma de Deus… …esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo”. Ou seja, da posição de homem, poderia assumir a posição de Deus, mas preferiu assumir a posição de servo. Como aquela parábola que Ele mesmo contou na qual aconselha a não se assentar nas primeiras posições para não correr o risco de chegar alguém mais importante e o anfitrião pedir para você dar lugar a ele. Por isso, a interpretação dada pelos cristológicos preexistencialistas ou os trinitarianos está muito longe da prova que pretendem. Uma coisa é um Deus em substância humana, outra coisa é um homem em função de servo. O texto mostra que Jesus tinha uma condição superior aos demais homens, não por ser Deus, mas por seus qualificativos que encontramos em outras passagens bíblicas, tais como: Messias, Filho de Deus, Senhor, Salvador, Rei de Israel etc. O texto diz que Jesus, o homem, diante de sublime condição, se comportou como servo. Não fala que era Deus e virou homem.
Como ilustração do que estamos dizendo, podemos fazer uma comparação. Um rei de uma nação não é um homem comum. Ele é senhor sobre o povo. Para tal rei ser equiparado ao que Paulo falou sobre Jesus, ele deve: primeiro, abdicar da glória de seu trono e do cetro de seu poder; segundo, como comum do povo, deve obedecer a uma causa até perder sua própria vida.
A afirmação simples do texto é a de que Jesus na forma (posição) de homem tinha condições para agir na forma (posição) de Deus, porém, agiu na forma (posição) de servo. Esta humildade vista em Jesus que Paulo esperava dos irmãos de Filipos. Vejamos:
Completai o meu gozo, para que sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, sentindo uma mesma coisa. Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, (Filipenses 2:2-5).
O texto não vai além disso. Não é uma dissertação sobre a deidade de Jesus, mas sobre sua humildade. Alguns outros versículos em Filipenses ajudam na compreensão. No capítulo 1, versos 15 a 18:
Verdade é que também alguns pregam a Cristo por inveja e porfia, mas outros de boa vontade; uns, na verdade, anunciam a Cristo por contenção, não puramente, julgando acrescentar aflição às minhas prisões. Mas outros, por amor, sabendo que fui posto para defesa do evangelho. Mas que importa? Contanto que Cristo seja anunciado de toda a maneira, ou com fingimento ou em verdade, nisto me regozijo, e me regozijarei ainda. (Filipenses 1:15-18)
As intrigas geradas entre os irmãos que queriam ser mais que os outros, motivou o Apóstolo Paulo a ilustrar a humildade no comportamento de Jesus.
Portanto, a “forma de Deus” não se trata de afirmar que Jesus é Deus, mas de mostrar que Jesus, um homem com qualidades divinas, preferiu se comportar com qualidades de servo. Não seria lógico Paulo usar a humildade de um Deus para exemplificar a humildade dos homens. São dimensões completamente diferentes e incomparáveis. Este texto não prova que Jesus é Deus, mas que Ele é homem.
O emprego da palavra grega morphé
Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação o ser igual a Deus: Mas despojou-se a si mesmo [fez-se de nenhuma reputação],tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens”. E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte e morte de cruz. (Filipenses 2:6-8)
A palavra-chave para se entender esta passagem é a grega “morphé”. Argumenta-se que “sendo em forma de Deus” significa que Cristo tinha a natureza de Deus antes de seu nascimento e foi isso que Ele sacrificou ao vir à Terra para viver como um ser humano. Inclusive, argumenta-se, também, que Cristo teve o direito de ser tratado como Deus aqui na terra, direito do qual abriu mão para morrer como “servo”. Naturalmente, para isso ser possível, despojou do seu direito à divindade com todos os seus atributos. Mas, morphé, geralmente traduzido como “forma” no grego koiné, refere-se a estado na vida, posição representativa ou posição de alguém. Não se trata de essência. Pois, é eidos, e não morphé o termo grego que transmite a idéia de “natureza essencial”. Como explica Liddell e Scott no seu léxico: morphé significa, figura, forma, aparência, opõe-se ao “eidos” que significa “forma verdadeira”.
O contexto imediato ajuda-nos a entender como Paulo usa a palavra morphé. No verso 7, ele diz que Cristo tomou a “forma de servo”. Ser um servo, escravo, criado não é algo definido pela natureza material do ser. Ninguém nasce servo. Nós nos posicionamos como servos, muitas vezes pela força das circunstâncias ao longo da vida. O termo servo não denota essência. O emprego da grega morphé não sugere uma espécie de natureza essencial, que o constituiria num servo obediente até a morte, mas sugere uma posição, um estado, ocupado pela pessoa. O contexto não apoia qualquer outro sentido. A palavra forma (morphé) usada neste contexto deve, portanto, referir-se a posição, aparência, comportamento de um escravo como a característica distintiva. Assim, como quando fala em “forma de Deus” se refere a posição, aparência e comportamento de Deus. O que Jesus resignou-se em agir.
O estado de Cristo como Deus é contrastado com seu estado de servo. Traduzir ou entender morphé como “natureza essencial” neste texto, realmente não se encaixa no contexto. Cristo como um homem na terra funcionava no estado ou posição de Deus, ou seja, posição representativa.
Isto não é difícil entender, pois no passado houve um precedente histórico igual a este. Quando Deus chamou Moisés para ser seu agente para trazer o povo de Israel do Egito, lhe disse: “Eis que te tenho posto por Deus sobre Faraó, e Arão teu irmão será o teu profeta”. (Ex. 7:1). O texto no hebraico ainda é mais claro, porque a palavra “por” não está no texto hebraico original. O que daria o seguinte sentido na declaração de Moisés: Te tenho posto para ser deus sobre Faraó. Em Êxodo 4:16, Deus já havia dito a Moisés que ele seria deus para Arão. Isto significa que Moisés agiu como se fosse Deus na terra. Ele era o líder designado para atuar como Deus, possuindo a autoridade para levar o próprio nome ou título de Deus.
Morphé ocorre apenas num outro lugar no Novo Testamento, Marcos 16:12. Aqui claramente não significa “natureza essencial”. Jesus apareceu “em outra forma”, mas isso não poderia se referir a uma mudança de sua natureza, pois a razão pela qual parecia ser de outra forma era porque seus olhos estavam fechados, conforme Lucas 24:16 e 31. E no versículo 39 de Lucas 24, Jesus afirma: “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos como vedes que eu tenho”.
Ser e continuar a ser forma de Deus
Outra e importante questão a ser analisada neste texto de Filipenses 2 é a palavra grega huparchõn. Esta palavra significa ser, ou existir. Jesus, desde seu nascimento, nunca deixou de ser, existir e estar sob a forma de Deus, em aparência e comportamento moral. Ele habitualmente exemplificou o caráter do Pai. Sempre esteve na forma de Deus. Porém, nunca se apropriou dessa condição para se engrandecer.
Vamos observar o uso de “huparchon” noutras passagens bíblicas e tirarmos algumas conclusões. Atos 2:30, diz:
“Sendo (huparchon), pois, ele profeta, e sabendo que Deus lhe havia prometido com juramento que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para o assentar sobre o seu trono”.
Assim, “sendo” um profeta não significa que antes de nascer, ele era um profeta, mas que depois de nascer, se tornou um profeta e continua sendo um profeta enquanto recebia a promessa.
Outra passagem, I Coríntios. 11:7:
“O homem, pois, não deve cobrir a cabeça, porque é (huparchon) a imagem e glória de Deus, mas a mulher é a glória do homem”.
O homem é “a imagem e glória de Deus”. Esta expressão não está necessariamente dizendo que era a imagem antes do homem existir, mas ser e continuar a ser a imagem de Deus enquanto existe.
Também, Gálatas 2:14: “Se tu sendo (huparchon) judeu” não significa ser originalmente antes de seu nascimento como um judeu, mas desde o nascimento é judeu e continua a ser um judeu enquanto vive.
Portanto, Jesus “sendo forma de Deus”, não quer dizer que era Deus antes de nascer de Maria, mas que durante sua vida era e continuava sendo forma de Deus. Não ser uma forma física igual a Deus, mas ser uma forma moral de Deus. Era um homem cuja ética, moral, santidade, justiça, misericórdia, amor etc., era da mesma forma de Deus. Podemos dizer que Jesus é a imagem (imagem é uma forma) espiritual de Deus. E isto não o transforma em Deus, pelo contrário, necessário se faz que não seja Deus para hyparchõn forma de Deus.
A teoria do esvaziamento
“Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas despojou-se [kenoo] a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens”.
O verbo “esvaziar” ou “despojar” que aqui aparece é “kenoo” em grego, do qual alguns trinitarianos têm desenvolvido uma doutrina chamada “A teoria Kenosis”. Segundo esta doutrina o “Cristo preexistente” se despojou da manifestação de alguns de seus atributos da divindade a fim de fazer-se homem. Sem entrar nos vários aspectos desta teoria, podemos dizer que todos eles usam o termo “kenosis” para apoiar a ideia da preexistência pessoal de Cristo.
Contudo, pelo contrário, este texto de Filipenses sugere que o Messias pôs de lado qualquer tentação humana para se exaltar. Ele não deixou dentro de si mesmo nenhum espaço para o orgulho, a arrogância e nenhum plano feito sem a submissão total à vontade de Deus, (Hebreus 10:7-10; Sal. 40:7-9).
Esta passagem é reconhecida geralmente por ser uma má tradução. Mas, vejamos certas versões. A RSV diz o seguinte: “Ele não contou a igualdade com Deus, como uma coisa que devesse ser aproveitada”. A KJV traduz assim: “fez a si mesmo de nenhuma reputação”. Uma referência óbvia ao período de seu ministério humano. Paulo fala em Filipenses do Jesus histórico, não de uma pessoa que era um ser antes de nascer para depois fazer-se Cristo. É esta pessoa histórica que se esvaziou. Como pessoa histórica, Jesus tinha certas posições adquiridas. Ele era o Messias e Rei de Israel. Como Filho de Deus tinha a aparência, a forma, a posição de Deus. Porém, Ele não se utilizou destas prerrogativas divinas. Seu comportamento mostrou que abdicou de tudo o que tinha para obedecer de forma servil. Não foi de uma posição celestial, um status de Deus, que Ele se esvaziou para supostamente descer à terra. Ele derramou sua alma (sangue) para provar com morte de cruz sua submissão e humildade. Jesus é o homem modelo, não um Deus modelo.
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