Esta afirmação é muitas vezes usada para ensinar que Jesus estava no céu antes de vir para a terra. O contexto do verso, no entanto, mostra que essa interpretação é incorreta. Jesus declarou aos judeus: “Vós sois de baixo: eu sou de cima“, então, na explicação, ele continuou: “. Vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo” Cristo era “de cima” e “não é deste mundo”, porque Deus era seu Pai, e ele se manifestou em sabedoria e características que eram celestiais, isto é, vindas de Deus.
Se Jesus realmente quer dizer que em sua encarnação Ele literalmente desceu “de cima” porque preexistia no céu, então, para que tratemos desta antítese de forma consistente, que em sendo esses judeus incrédulos, “de baixo“, deve significar que eles literalmente preexistiam no inferno (localizado “abaixo”, dentro da terra), o que é um absurdo.
Nas palavras, “Vós sois de baixo, eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo”, Jesus está querendo dizer o seguinte aos judeus: “Vocês pertencem ao que está embaixo, eu pertenço ao que está acima”. Assim, Jesus está afirmando que seus adversários estão abaixo em um sentido espiritual, ou seja, seus valores refletem que eles são do mundo e, portanto, sem Deus na sua vida. Em contraste, Jesus é espiritualmente “de cima” no sentido de que seus valores têm origem em Deus e, portanto, vem do céu. Jesus não ser deste mundo, significa que Ele não pertence a este mundo, porque Ele não vive de acordo com os seus padrões. Assim, Jesus não se refere aqui que Ele literalmente veio do céu no momento de uma encarnação, mas que, eticamente, ele é das coisas do céu.
É o mesmo com os onze apóstolos. Jesus orou ao Pai sobre eles, dizendo: “Como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo” (Jo 17,18; cf 1,6). Se Deus enviar Jesus ao mundo significa que Jesus literalmente vivia antes disso no céu, confirmando assim a clássica encarnação, então, para ser consistente, o envio por Jesus de Seus discípulos ao mundo, deve implicar a preexistência e encarnação dos mesmos. Ora, se Jesus “não é deste mundo“, e como um ser preexistia no céu, então, para que sejamos justos e coerentes, devemos entender que na oração pelos discípulos, “Eles não são do mundo, assim como eu não sou do mundo” (Jo 17,16), que eles também são seres pré-existentes que encarnaram. Esse não é o sentido em que as palavras de Cristo devem ser entendidas. Ele “não era deste mundo” no mesmo sentido que João exortou os crentes a ser “não deste mundo” (1 João 2:15). O seguidor de Cristo deve olhar para além das coisas da terra – deste mundo. Ele deve olhar para a glória ainda a ser revelada, e tornar-se mentalmente e moralmente alterado pela influência que é “de cima”.
Um homem que “ama o mundo” é “de baixo”, ou da “terra”, mas alguém que tem “o amor do Pai” habitando nele é “de cima” (1 João 2:15). Jesus disse a Nicodemos que uma pessoa deve “nascer do alto” (João 3:3) se ele quer herdar o reino de Deus. Esse tal é gerado pela palavra de Deus (I Pedro 1:23 e 1 João 3:9-10), por uma “sabedoria que vem do alto” (Tiago 3:15-18). O personagem que ele vai desenvolver é moldado pela Palavra que habita nele (João 17:17), para que ele possa reivindicar ser “de cima”, embora ele nunca foi, literalmente, do céu.
Outra característica única do Evangelho de João é quando freqüentemente contrasta metáforas e antíteses. Por exemplo, João (geralmente citando Jesus) contrasta a luz com as trevas (Jo 1,5-9; 3,19-21; 8,12; 9,4-5; 12,35-36, 46), a vida com a morte (Jo 1,4; 5,21-26,54; 8,51-52; 11,25), a liberdade com a escravidão (Jo 8,32-38), que tem a ver com a cegueira (Jo 9,39-41). O mesmo é verdade das expressões que envolvem Jesus e os judeus incrédulos neste contexto, como “os debaixo e os de cima”. Os termos não estão falando de origens literais, mas como indicador de uma realidade espiritual.
Esta interpretação metafórica de Jo 8:23 serve como uma explicação de Jo 3:31 e Jo 6:25-65. Ou seja, todas as três passagens significam que o ministério de Jesus é espiritualmente, não literalmente, “de cima”, ou seja, do céu, tem origem em Deus. Portanto, assim se conclui a linguagem de subida/descida em João 3:31, para interpretar a obra salvadora de Deus em Jesus. Certamente a Bíblia não fala do modelo da descida de uma Segunda Pessoa da Trindade ao mundo, o que só serviu para confundir a cristandade eliminando o conceito real, que é a presença interior de Deus em Cristo através do Espírito Santo. Isso tudo pode ser chamado de “Deus em Cristo reconciliando consigo o mundo”, como atesta o apóstolo Paulo em II Cor 5:19.